sábado, 17 de dezembro de 2016

Estranho

Desconstruído
Desencanado
Despossuído e passado
Arrodiado de gente
Cacique e pajé
De uma tribo fantasma é

Liberto e libertinado
Descartando e descartável
Sorrindo, sorrindo, sorrindo
Pra todo lado

Rei de si
Rei de cio
Caminha convicto
E vazio

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Desconstrução

Em terra de coletivo
O egoísmo vivo
Grita por todos
Num rio de lama
Coberto por lodo

A liberalidade envolta de beijos
Na liquidez dos percevejos

No fiapo 2016

Chorei
Choraram
Lágrimas de gata de borralho
Traído
E julgado como louco varrido
Me varreram
Me rodaram
E com o rodo rodeei em vários
Ralos
Levei rasteira
Rastejei
Erraram comigo
E quando acertei
Repeti a máxima
Só sei que nada sei
Fui para o canto
Me desencantei
Perdi a fé
Descafeenei
Resisti
Re-existência
Reinventei
Inocência
E quando estava convicto
Novamente me vi
Aflito
Mas agora diferente
Cantarolei
Hino sente mente
Sorri, bebi, beijei
Recuperei a fé
Me infernizei
Vivi, aprendi, mordi a língua
Me vi traído
Pelo meu medo
Não dei ouvidos
Ouvi desejos
Me alegrei
Tinha sentido
Então amei
Vivi, aprendi, enfrentei
As Más línguas
Matei a dor com a cor mais linda
Cantei, escrevi, gozei
E no meio da euforia
Novos aprendizados
Sem nostalgia
Aprendi dados
Sorte, perdas, finitude,
Cresci, amadureci, amiúde
Doze meses, uma vida
Retrospectiva
Plenitude
Vivi, vivo, viverei
Derrubando muros
Cantando, sem canto, cantarei
Que venha o futuro
Tempo-rei

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Como é a vida

A loja virtual de camisetas
Vende um dos seus produtos com a estampa:
A VIDA NÃO É SÓ BOLETO
A camiseta custa setenta e nove reais

A loja aceita cartão

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Escrevo

Ora agravo ora agudo
Ora soldo ora saldo
Ora surdo

Olho o olho
Nove naves
Malho o molho
Chove chaves
Bravo e breve

Ora grave ora greve
Ora gravo o que não se escreve

Jam Session

Ela sendo jazz
Eu sendo blues
Pintamos a vida em notas
E tons de azuis

Improvisando solos
Em dois
Corpos nus

Pleno

Tipo fazer amor amando
Tipo fazer amor de fato
Direito
Errado
Nato

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Fala sério, greve de novo?

Profa Vanessa C Furtado
Prof Paulo Wescley Maia Pinheiro
Prof Kader Assad
Em 2015 construímos a greve mais longa da categoria docente (4 meses e 22 dias), diante de um quadro crítico do ensino superior público no país. Naquele momento o governo optava pelo avanço dos cortes nas universidades, expressando as escolhas político-econômicas distantes dos interesses dos/das trabalhadores/as e próximas àqueles que buscam garantir as taxas de lucro em detrimento de qualquer direito.
Durante o processo de resistência que se espalhou pelas universidades de todo o país, alguns preferiram ficar como espectadores desse movimento, seja garantindo seus projetos individuais (continuidade das pesquisas, viagens, etc), seja de dentro de casa em frente ao seu computador. Muitos assistiram a greve de 2015 e ao serem convocados a retornarem à sala de aula, assim o fizeram, satisfeitos com seus 5.5% de “aumento” em agosto/2016 e 5% prometidos em janeiro/2017. Ainda que os anúncios de cortes no orçamento do MEC chegassem a 46%.
Dentro dessa parcela da comunidade acadêmica, seja pelo distanciamento dos debates e noção superficial de representatividade, ou  pela explícita discordância com o projeto de universidade pública, gratuita e socialmente referenciada, uma gama de argumentos, supostamente pertinentes, compunham o coro dos contrários a greve. Nessas assertivas, algumas questões se destacavam sem nenhuma novidade, já que, sempre retornam quando uma categoria toma como tática o movimento paredista, a saber: seria egoísmo/corporativismo pautar reajuste salarial no contexto de crise; seria preciso pensar outras formas de luta sem parar as atividades; e, a greve esvazia a universidade, não trazendo mobilizações massificadas para pressionar o governo.
No outro lado, atacada pelos setores conservadores dentro e fora da universidade, ignorada ou criminalizada pela grande mídia, duramente reprimida pela polícia nas manifestações e desconsiderada pelos governos, a parcela da comunidade acadêmica que se mobilizou naquele momento, via  suas reais pautas e seu histórico de diferentes formas de mobilização permanecerem invisíveis  para a grande maioria da sociedade.  
Nesse sentido, é preciso que desmitifiquemos algumas questões. Afinal, a greve teve como centralidade o reajuste salarial, não?
Não! É necessário recordar que, no momento da radicalização, várias universidades estavam com risco de pararem suas atividades por falta de verbas para questões básicas, como por exemplo, o pagamento de serviços terceirizados da limpeza (ponto revelador da privatização), cortes de bolsas, entre outros. O processo de desmantelamento das universidades era um projeto que se anunciava de modo explícito e progressivo como tática das escolhas econômicas e fiscais do estado.
Vale lembrar que quem tornou pública a falência das universidades como escolha política de governo, pressionando a abertura de contas das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES –, mobilizando para que não se aumentassem os cortes e, pelo menos, jogando para o futuro os elementos mais amplos dessa desconstrução, foram, justamente, os setores em greve.
Dessa forma, se não houve avanço na pauta de correção dos salários de acordo com a inflação (e não de aumento salarial), se não se obteve êxito na mudança da carreira docente devastada em 2012, foram professores/as, técnico-administrativos e discentes que, mobilizados naquela greve, pressionaram para que houvesse condições mínimas de continuidade de funcionamento dos campi. Se por um lado, muitas reitorias estavam de “pires na mão”, por outro o processo de tensão consequente do movimento paredista não permitiu o aprofundamento dos cortes.  
Em 2015 o cenário posto para as IFES eram cortes que atingiram a casa dos 9 bilhões de reais, redução anunciada (pasmem!) pela equipe do então governo  Dilma – PT. Em setembro do mesmo ano a mesma equipe anunciou uma série de medidas de austeridade, conhecidas como “pacotaço”, prevendo vários cortes no orçamento da união. Em entrevista, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apela ao congresso nacional que votem os projetos de leis e PEC que tramitavam (e ainda tramitam) pela casa. Aqui, o então ministro, já faziam referências à PEC 241, agora PEC 55, bem como ao PLP 257 enviado diretamente do gabinete da presidenta Dilma.
Ao sairmos da greve, indicamos a necessidade da construção da unidade na luta para enfrentar e barrar a aprovação das referidas matérias no Congresso Nacional e Senado. Desde então, viemos trabalhando duramente para a construção dessa articulação ampla em todo país, realizando mesas de debates, atos públicos unificados, reunião com parlamentares, visita aos gabinetes na câmara em Brasília-DF.
O ANDES-SN e suas seções sindicais não pouparam esforços em realizar todas as outras formas de enfrentamento contra a aprovação dos projetos em tramitação e que representam a retirada de direitos historicamente conquistados, ou seja, um ataque direto a nós trabalhadoras/es. Assim, nunca se tratou de uma luta corporativista da categoria docente apenas por seus direitos.
A partir da retirada de Dilma da presidência, o agente executor, o ilegítimo Michel Temer, vem cumprindo e ampliando a agenda regressiva já anunciada desde o ano passado. O mais afrontoso ataque é a Emenda Constitucional 241/55 que altera a Constituição Federal, limitando os investimentos em Seguridade Social (saúde, educação e assistência social) aos índices inflacionários do ano anterior, índices esses indicados pelas agências do governo. A proposta que vincula os investimentos do Estado aos ditames do mercado e não aos interesses e necessidades da população faz parte de um pacote de ataques que perpassa a contrarreforma da previdência, a desconstrução dos direitos trabalhistas, o ataque ao pluralismo e ao debate crítico na educação, entre outros.
Diante desse quadro, a construção da Greve Geral da classe trabalhadora se afirma como elemento fundamental de pressão e visibilidade das pautas contra as necessidades presentes para a população. A conjuntura atual urge a pela paralisação da produção e reprodução para pressionarmos o governo e aqueles que o financiam. São igualmente urgentes: a ocupação das escolas, universidades, fábricas, corações e mentes diante dos retrocessos, do avanço do ódio, da intolerância e da desigualdade. Nesse sentido, a Greve não é para atrasar a formação dos discentes, mas, sobretudo, para garantir que ela ainda exista de forma pública e gratuita.
A urgência de reconstruirmos uma educação e uma vida com sentido não são pautas partidárias, revanchistas e nem corporativistas, mas tarefas do nosso tempo histórico, exigência para que a universidade seja um direito e não um privilégio ou mercadoria. E, assim, para que nossos/as discentes tenham direito a qualidade, que, quando formados, possam ter direitos como trabalhadoras/es, que possam almejar condições de trabalho dignas, estabilidade e qualidade de vida.
É fundamental que possamos desconstruir os equívocos de que o processo de mobilização radical é uma construção imediata e irresponsável. É imperativo mantermos as diversas atividades, atos públicos, tentativas de negociação e demais iniciativas ao longo desses meses. É inexorável frisar que nenhuma greve surge do nada e nem é construída sem sujeitos. Dessa forma, o histórico esvaziamento da universidade, apontado por alguns grupos, só será superado com a ampliação do número de pessoas que ocupem os espaços de mobilização. Devemos fazer desse processo uma construção coletiva, pedagógica e cidadã, demonstrando que seremos capazes de ensinar, aprender e construir conhecimento de modo crítico, combativo, autônomo e pleno de sentido diante de um quadro devastador para a educação.
O chamamento da greve e ocupação não é para a paralisação, e sim para a mobilização. Paralisados estamos quando permanecemos inertes, mergulhados em nossas atividades, assoberbados na precarização, na esperança que nossos projetos individuais sejam capazes de nos fazer superar as dificuldades. A convocação para a luta não é para o esvaziamento da universidade, é para sua ocupação real e popular, com aulas públicas, com atos, manifestações, com a nossa comunidade acadêmica ultrapassando nossos muros e mostrando a importância dessa instituição, abrindo as portas e o diálogo para com a população. Assim sendo, possibilitar uma construção pedagógica muito mais ampla do que a formação técnica para a empregabilidade, mas como elemento da formação humana, questão que deveria ser fundante da universidade.

Portanto, a construção da greve é tão dura quanto necessária! Não porque lutamos pelo corporativismo salarial, mas sim porque acreditamos que este é o instrumento que nos resta de resistência contra os ataques que o governo vem efusivamente empenhando contra os direitos da população brasileira. Vamos á luta!

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O silêncio e o barulho na dança do real

Existe a realidade. Inexorável, objetiva, concreta, ela existe complexa, cheia de determinações, se expressando no cotidiano irremediavelmente heterogêneo, imediato, fragmentado, insuprimível. A realidade se esconde e se revela sorrateira, surge com vendas em nossos olhos, nos permitindo conhece-la parcialmente por nossas experiências. Ela se manifesta caleidoscópica, cumprindo suas armadilhas de sugerir-se inteira a partir das vivências particulares.

Entre um ser humano inteiro e o inteiramente humano vamos dançando o baile entre cotidiano e realidade. Permanecemos passeando pelo que nos salta aos olhos, comumente sem conseguir ultrapassar o alcance da nossa visão, ainda com esforço, mesmo que pintemos esse espetáculo com os sentidos que queremos. A tarefa não é simples.

Buscando superar o cotidiano há quem acredite não haver o real, embora ele esteja lá, há quem acredite que o real é aquilo vive, apenas aquilo, ou que é possível somente por ali conhecer todas as mediações que o constituem. Há também quem molde um real amplo para o seu particular, quem mergulhe nas buscas profundas, mas se afogue apenas em seu próprio ar.

Diante desses desafios tudo tende a ser reduzido ao binômio causa-consequência ou à falácia da impossibilidade. Criam-se mitos para dar sentido às percepções, referendam-se crenças nas mudanças singulares ou nas respostas microscópicas ou supostamente amplas. Por outro lado, se confunde universalidade com totalidade, jogam as apostas nas mudanças de sentido e significado, blefam na dinâmica da imediaticidade rivalizando, fulanizando, umbiguizando as coisas. Mas a realidade existe.

A realidade é estranhada, alienada, coisificada. Não há fórmulas emancipatórias de superação e construção de outra realidade que não busque os elementos concretos.  A dança travestida de elementos emancipatórios apoia-se nas performances, nos meandros particulares, na percepção urgente, real, mas parcial. 

Há muito o que se enxergar. Lançar um olhar sobre o real, sem uma lente profunda, crítica e irremediavelmente difícil torna aquilo apenas mais um olhar. Poderá fazer dormir mais tranquilo, ainda que seja o mesmo espectro da vaidade, do individualismo, da mistificação das determinações, agora maquiada de emancipação. Poderá fazer se sentir orgulhoso pela sua parte num todo, cumprindo o jogo das peças de um tabuleiro viciado e só. O teatro do real largo, cheio de vieses, mas apropriado, envolto do discurso de autoridade é apenas mais uma nuance.

Nesse jogo, nessa dança, nesses olhares, a busca pela trajetória mais difícil tem sucumbido, perdido ressonância, vivido um descompasso, se perdido nos descaminhos dos caminhos ainda que difíceis e duros, muito mais triviais. O temor é que não haja mais tempo nem espaço para se aprofundar. Que seja realmente o espetáculo do maniqueísmo, da dieta da consciência aparentemente revolucionária, temperada com o hedonismo, com as tintas e cores tão vivas e verossímeis, mas perecíveis... o temor é que seja isso tudo nosso espectro do tão pouco.

No paradoxo do visível, das esparrelas contemporâneas, falar junto sem ter o que dizer é o mesmo que falar sozinho, encontrar substância, mas não compartilhar.  Talvez o parlatório esteja cheio de mesmices distintas e lotado de ausências necessárias. Talvez esse número musical desafine, talvez ele acabe, talvez não. E a dança segue, mesmo que não a conheçamos, mesmo que não a reconheçamos. A dança segue na música do silêncio e do barulho vazio.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Forma

Tudo está um caos
Como dois mais dois
São quatro
Como o solo
Do candidato
Como a sola
Do sapato

Como a fala da palestrante
Dizendo o que já sabem
Mas de modo
Irritante
Para que façamos a cara
"Como não pensamos nisso antes?"

A palestra
Astuta
Atesta
Atenta
A testa
Ao tato
Ao totem
Ao palco

Tudo está um caos
Tudo assim
Tudo igual

sábado, 19 de novembro de 2016

Umbigo

O sintoma inexorável
Apodera-se vertiginosamente
Apaga a visão periférica
Orbita sobre si mesmo
Cultuando o orifício

A força invisível
Puxa toda a atenção
Amortece a percepção do meio
Para concentração no meio
Da própria barriga

Cardápio

O agridoce cheiro da verdade
E o amargo gosto da injustiça
Brigam na cozinha da aparência
Empratados como unidade
Enfeitam o banquete do real
Para a desgustação das más linguas

Céu da tarde

O sorriso tem asas
Passeia por sobre a tarde
Voa e pousa carregando o ninho
Um café quente,
Um carinho de verdade
E um passarinho
De papel

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Reformismo x Reacionarismo

Haja ontem
Para tanto
Antes-de-ontem

O Auto da Incompletude

Sem vocação para ser herói
Decidi-me real
Com defeitos e medos
E coragem para enfrentá-los
Sem o dom para ser vilão
Construí-me humano
Apesar dos melindres
E do ódio das injustiças
Sem competência para ser mártir
Fiz-me vivo
Por vezes moribundo
Assassinando-me em silêncio
Comumente tenaz

Sendo eu mesmo
Assim tão pouco
Tão tosco
Tão impaciente e imperfeito
Sem talento para o palco
Para os risos da vaidade
E as lágrimas de crocodilo
Na coxia da vida
Escrevi as minhas falas
E declamei os meus poemas
Em voz baixa e sem plateia

Responsável por meus atos
Pelos meus acertos e erros
Aceito a pena que mereço
Rechaço o julgamento da aparência
Posto que até o dia de hoje
Só aprendi a atuar meu papel
De persona sem personagem
Sem entradas triunfantes
Sem trilhas emocionadas
Sem saídas épicas e gran finale

No Auto da incompletude
Assino meu nome
Naquelas letras que falei
Naqueles cacos que falhei
Naqueles passos que dei
No que de fato fiz
No espetáculo da concretude
Sigo protagonista de mim

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Cura

Um poema de auto-ajuda
Que pule do alto
E não me acuda

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sobre o suicídio

Quantos dedos que estiveram em riste
Não puxaram o gatilho
Mas encerraram o julgamento?
Quantas mãos que a tocaram sob o medo
Esconderam suas digitais
No desespero e no cinismo?
Quantas palavras incrédulas sufocaram seu ar
Engasgaram na moral
E voltaram como dor?

Pelo seu punho
A força do outro
Pelo seus pés
Os pisões dele
Pela sua voz
O grito interrompido por todos
E então um voo violento
Por aroma de paz
E migalhas de liberdade

Quantos passados ainda vão mentir?
Quantos silêncios ainda vão matar?
Quantos cúmplices de um crime sem autor?
De carícias sem amor
De criminosos reais

domingo, 6 de novembro de 2016

Incerto

A certeza não compartilhada
É somente crença
Desaviso
Desavença

Segredo

O silêncio me alerta
Que será o meu final
Naquilo que não tem fim
O silêncio me cochicha
Sopra em meu ouvido
Esfria a minha espinha
Dizendo ser meu destino

Apavora-me ao lembrar
Que todo aquele barulho
Pode ser só teimosia

Fatal

A cerveja angustiada
Calada no brinde
Da alma blindada
Engolida como as dores
Da calada da noite
E da noite calada

Pós-traumático

Os fantasmas que me envolvem
São passantes e passados
Rodopiam em seu cigarro
E flutuam na fumaça
Que passeia por seus lábios

Os fantasmas que me envolvem
Fantasiam o odor
Adentram minhas narinas
Passeiam pela traqueia
E beijam os meus pulmões
Disfançando o interesse
Por perto do coração

Os fantasmas que me envolvem
Sabem seu gosto e até gostam
Quando visitam minha pele
Para gargalharem de minh'alma
Temperada de ossos e de carnes
De sangue e de lacunas
E de toda insegurança
De quem enxerga demais

11/15

Naqueles tempos não se soube
Se era um demônio
Ou uma menina
Se era o final
Ou uma esquina
Se era poeira
Ou cocaína
Se era furacão
Ou uma faxina

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Alvo

A culatra é a porteira
Da arma da minha vida
Satisfeita e generosa
A culatra é atrevida
A cada verso que atiro
Sai por ela e onde miro
É poesia vencida

Devaneio

Poemeto de pormenores
Sem pressa e sem pressão
Sem atraso e sem tração
Decantado e declamado
De um jeito que eu não sei

Os cordelírios
Não nascem em delay

Leve

De um jeito leve e fagueiro
Na pluma do travesseiro
Flutua e só responde
O que vale a pena saber

Vivendo sem saber onde
Quem não tem nada a esconder
Nada esconde

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Ponteiro

Tem hora
Que cada minuto
Demora
Devora
O indulto
A essência

Poucas palavras
Muitas ausências

domingo, 16 de outubro de 2016

Questão de ordem

A nota de repúdio
Contra a moção de apoio
À carta de desagravo
Ao papel em branco

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Sinais

Em meio aos gritos
Mirando todos os lados
Não enxergou o óbvio
Por ficar perto demais
O destino  parecia apontar à guerra
Mas ele andava distraído
Dava passos para o amor

No campo de batalha
A seta já cansada
Disfarçou-se de flecha
Para acertar o caminho

domingo, 2 de outubro de 2016

Afasia

A presença do nada
A brisa desmotivada
Uma dose dos bons
Um sossego sem paz

Aparta-se dos sons
Onde menos é mas

Ruminando

Gostava de comer nesses lugares onde se faz o prato, pesa e paga logo de uma vez. A sensação de comer algo para pagar depois era um daqueles pânicos triviais, parecia que se alimentava do que ainda não era seu, que seu cartão não passaria, que o dinheiro desapareceria da carteira, que ele havia se enganado de preço.

Sua indigestão era temperada por notas de capital e gotas de psicose.

sábado, 1 de outubro de 2016

Conjuntura

Sobremesa de vísceras
Chicletes de cacos de vidro
Tingidos de vermelho-gengiva
Deram gosto à plateia
Que suculenta assistia
O espetáculo das sombras
Verossímil, mas não real

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Uno

No ataque de pânico do silêncio
No arsenal agoniante da verborragia
Na invisibilidade covarde da timidez
Na desinibição acrítica da vaidade
Demasiadamente humano
Irremediavelmente insuportável
O indivíduo é
Antes de tudo um chato

Reflexo

Não sou do que visto
Do que estou
Do que bebo e como

Não sou do que vivo
Do que vou
Do que levo e sumo

Sou do que esqueço
Do que tropeço
E não mereço

Sou do que fica
Quando me despeço
Do avesso

Panorâmica

Take 1, plano aberto
Luz (do sol), câmera (de deus) e ação (humana)

Fim da bebedeira profana
Seis horas da manhã, é sexta, é treze, é maio
Lá vem os primeiros raios

A supersticiosa cruza a encruzilhada
(Nada de passar por baixo da escada)
Na outra quadra passa a procissão
A virgem,  santa desde cedo
Caminha e não revela seu segredo

O sol esquentando qualquer medo
E o padeiro com a fé e o fermento
Alimenta os outros para o seu sustento

Entre pães, preces e superstições
Na esquina da padaria, ao lado da capela
Dois amantes se aliam e se revelam,
Na despedida do começo, na fome que alimenta
Num beijo quente e roubado que fermenta
Crenças, cruzadas, corações

E corta! (dores, pudores,
atores, proporções)

Folhas

Outono outubro
Ou torna ou turno
Outorga o sonhar
O trevo de quatro
Tratou de travar
Com tanto contrato
As folhas falharam
Na sorte e no azar

Na roda de surdos
No nada e no tudo
Tolice é cantar

Para si

Se pá
Se para
Separa

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Tarde quente

Um gole de tereré
Um galo da madrugada
A gula numa garfada
O grilo no rodapé
A gola da camiseta
A gala sem etiqueta
O gelo nesse café

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Mal do século II

Maldição de poeta
É tragar Bukowski
E pegar-se Byron
Como um Lord sem título
Por vezes um mero brega
Embregaando as palavras
Etilificando os fonemas
Para dizer que a noite
Quando bebida sozinha
É poesia vazia
É engolir as beiradas
De uma alma que sabe
Que o meu canto é no centro
No epicentro de ti

Notas

No solo saindo do ser
Na sala solando com o sol
Num selo ensaiando o solar

Não tinha nada a perder
Mas tinha tudo a ganhar

Profanando

isso de não saber ser
exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar aquém

sábado, 3 de setembro de 2016

Flutuando

Corações candentes
Estrelas cadentes
Beijos de aguardente

Amamos
Inflamos
Inflamamos

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Bichano

Como um bichano vadio
Desejo, amo e adio
Nas estrofes da alegria
Não estranhe se eu estranho
Se mordo ou se arranho
Ao perceber companhia

Gato escaldado
Tem medo de poesia

Porto

Quanto mais aperta a vida
Mais aperto no meu peito
Mais perto fico do jeito
De deportar o coração
Que cada vez apita menos
No porte de minha vida
Na porta de minha ação

 Muita tarefa
 Pouca lição

Pedregulhos

Com a bandeira como venda
Para não enxergar o todo
Fez da causa a desculpa
Tropeçando consequências
Municiou-se de bravatas
Ante o poço profundo
Para jogar pedregulhos
Rochas de senso comum

Maquiada por vaidade
Eis a máscara da novidade
Centrando na superfície
Com as raízes de sempre

Colisão

O caso e a casa
O tesão e a tesoura
O tenor e a ternura
O malabie e a malícia

Morando em mim
Tecendo a ti
Num canto de carícia

segunda-feira, 11 de julho de 2016

#

Corda bamba na linha do tempo
Em inglês (para ter charme)
Compartilha a timeline
Onde disfarço lamentos
No like que eu não dei
No reino dos filtros quadrados
Vou-me embora pra Pasárgada 
Lá vou derrubar o rei
Já que em tempo de match
Vender-se mais 
É a lei
Já que em terra de crush
Que tem um beijo
Errei
Jogo da velha nesse jogo

Sóseidequenadasei

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Nu

Perceber-se desnudado
Frágil e exposto
Ao frio
Do peito
Ao calor
Do peito
E aos medos
Do leito
E de nós

Perceber-se despido
De receios
Do ego
Do cego
Jeito de ser
Com o outro
Jeito de ler
O outro
Em si
A sós

Perceber-se entregue
Despido de tudo
Que não é seu
E exposto
Aos medos
Ao outro
À si
Aos nós
Não há coragem maior

terça-feira, 28 de junho de 2016

Termo

E o cuidado que vem
Nos momentos de descuido
A carinhosa atenção
Ao coração desatento
Arrebata feito o tempo
Que esfria por capricho
Pregando peças na previsão
E exigindo de nós o abraço
Para juntar o que não mais se parte
E esquentar aquilo que já é fogo

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Deriva

Imerso nessa sina
De sentir demais
Caindo em armardilhas
Amar ilhas sem cais
Navegando nesse mar
Sina minha
Sinto muito
Sinto mais

domingo, 26 de junho de 2016

Endêmica

Ruim de vírgulas
Adicto das reticências
Vivendo estrofes endêmicas
E sem encontrar ponto final
Entre uma coisa e outra
O lirismo vem bailando
Numa festa
Dentro de mim

sábado, 25 de junho de 2016

Hora de dormir

Desde quando os lábios se tocaram
Lua e sol se confundiram
Nuvens e estrelhas se abraçaram
E a terra celebrou os raios
Na pele que arrastou o tempo
Por toda a escuridão
A cada beijo um ode ao momento
Em que a madrugada vira dia
Misturando o céu e os sonhos
Profanando a noite vã

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Frestas

Entre botões, alavancas, maçanetas
Escrevia seus versos em sua caderneta
Sob a vigilância e a distração do capataz
Nas frestas da mais-valia
Valia mais

Tecnicolor

No clichê da aquarela
A beleza de um beijo
O borboletear do estômago
Um arco-íris em cada abraço 
E a sentença desmedida 
Dessas tintas improváveis
Culpadas por colorir o mundo

Contra do poeminha

Todos estes que aí estão
Atravancando meu caminho
Eles, passarinho
Eu, espingarda de chumbinho!

terça-feira, 14 de junho de 2016

Chave

Os cadeados
Não são culpados
As correntes
São inocentes

As portas que estão erradas
Já que elas não são entradas 
Nem muito menos saídas
As portas são objetos
De madeira carcomida 
Que escondem alternativas
Para depois revelarem
Fingindo ser acolhida

Horto

O coração partido
Foi aos cacos no terreiro
Aguou-se com as lágrimas
Para florescer um campo
De coração em pedaços
Foi crescendo as plantações
Deu flores, frutos, paixões
Poema pra tudo que é lado

No terreiro semeado
É tempo de amor
Espalhado

Mal do século

Foi-se o frio
E eu fiquei
Com um coquetel alcoólico
E com esse ar bucólico
Que não é meu

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Chegada

Atraso
Pista de pouso
O frio atípico se mistura
Com a típica ansiedade
Dylan nos fones de ouvido
E no coração
A beleza do inesperado
E o lirismo do impossível
É madrugada em Cuiabá

sábado, 11 de junho de 2016

Meta

Se em certa manhã eu acordar de sonhos intranquilos
Ser uma barata
Será um alívio

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Pra espantar a desgraça

Tem dias que a noite de Fortaleza
Tem outros que o céu de Cuiabá
Há dias que só você basta

Há outros 
Que nem a cachaça

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Na varanda

Observo enquanto rio
Um ângulo reto entre a grade e o fio
Dentro, eu na grade
No fio, o passarinho
Do meu ângulo, admiro
Do dele, desalinho

Voa
Tão livre
Quanto sozinho

terça-feira, 7 de junho de 2016

Licença

Nesse céu turvo e fechado
Vou cultivando nas nuvens
Gotinhas de resistência
Atravesso-as e roubo estrelas

Para essa noite cética
Peço licença
Poética

Lista de afazeres

Varrer a poeira da solidão
Rasgar os fiapos de distância
Preencher os buracos de saudade
Cozer os temperos dos quereres
Sarar o suor do sereno
Tecer o terço do tato
E cantar o canto que no cio
Apodera-se de tudo que ora crio

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Confissão

Das vezes que matei o tempo
Que surrupiei lamentos
Ou fiz conchavos de versos
E formação de quadrilha
De quando calei nossa trilha
E das letras me apropriei
De quando escondi beleza
E quando fui à natureza
Reinventar sua lei
Só de um crime me arrependo
O beijo que não roubei

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Ventura

Por cima dos cacos de pretérito
Mais-que-imperfeito
E das lâminas de presente
Cheio de ausência
Pulsam suas dores
Embora grandes, pusilânimes,
Sucumbindo sorrateiras
Diante dessa arma
O seu sorriso

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Currículo

O que fazer
Com essa capacidade de ser torto
De tropeçar como uma dança
De quebrar coisas como quem constrói?

O que fazer
Com esse talento de confundir
Coisas, gestos, palavras
De constranger a si mesmo
De cultivar gafes e medos como num dramalhão?

O que fazer
Diante de tantas desqualidades
De anti-herói trapalhão
De palhaço de circo sem lona
De ator de teatro sem palco
De homem com coração inapto
E de alma inepta para os dias de hoje
Tão cheios de certezas, de excelências
E perfeições

O que fazer?
Poesia, talvez...

terça-feira, 31 de maio de 2016

Nublado

No poema guarda-chuva
Respingava mágoa
E molhava a madrugada
Da tempestade de palavras
Guardadas em seus trovões

No poema guarda-sol
Refletia brilho
Com a luz de letras espalhadas
Saltando os versos sombrios
Das páginas anteriores

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Gatos pingados

Maio meu
Moeu meus meios
Melou miolos
Miou meados

Lapso

Ceio a veia que me falta
Tanto que a ceia me volta
Veio faltando receio
A falta que alivia
E o seio viu a revolta
Da falta que ali veio
A falta que ali via

Cáspita

Toda dor é reação
Toda corrente deixa marca
Todo sintoma é aviso
Todo aviso é amigo
Toda amizade protejo
Todo medo é desejo
Todo desejo é ilusão
Toda ilusão é utopia
Toda utopia, coração
Todo temor é maldição
E maldição é toda cor
Que desbota o coração

domingo, 29 de maio de 2016

Ex-pelho

O avesso do avesso
Descobrindo outro Paulo
Como caricatura e reflexo
Escrevo o mais do mesmo
Por pura necessidade

E com espanto espelho,
Com o espinho espalho
Versos de um ex-pantalho

Avoante

A tua pele na minha
E o meu lábio no teu
É como água de quartinha
Na boca de um sertanejo
Necessidade escondida
No arenoso costume
Mas que quando se encontram
Desperta  um céu de estrelas
Ou noite de vagalumes

sábado, 28 de maio de 2016

Boca da Noite

Das lembranças e barulhos
Dos temores e da seca
São (rare)feitas as vielas
E a poeira desses cantos
Na beira do Rio do Sangue
Sob o luar do sertão
A boca da noite sopra
O vento do Aracati
Testemunhando o sereno
E acalentando o lugar
De quem sonha por teimosia
Para ser
            tão
                ven
                     tan
                          ia

terça-feira, 17 de maio de 2016

Dilúculo

Perder o chão é quase voar
Flutuar sobre as coisas
Os passos das horas
E as frestas do agora
Que distanciam as dores
Como um beijo de manhã
Como um beijo do amanhã
Como caminhar em cima do abismo
E abaixo dos primeiros raios
Numa plataforma de cristal
Ou no cristalino das águas

Na vida da noite
Perder o chão é amanhecer

sábado, 7 de maio de 2016

Turíbulo

Não me cabe a confusão do nada
O sufoco do tudo
O reino da madrugada
A superstição escondida
Debaixo da escada
A carícia desmedida
Mascarada

Não me cabe o peso do tudo
O voo do nada
O inferno da cavalgada
Sobre campos de alegria
Com raízes mal plantadas
E flores plastificadas
Exalando nostalgia

O abraço

Queria a sabedoria do poeta pantaneiro
De beijar miudezas, de laçar pedaços
Sufoco-me no peso do tudo
Abraço o mundo e tropeço em meu quintal
Tenho apego pelas grandes coisas
Pelas grandes causas, por léguas de caminhadas
Afogo-me no horizonte não por vocação,
Muitos menos por vaidade,
Talvez, por desespero
Queria a tranquilidade do agora
Mas me embriago na História
Sufoco-me no amanhã e sumo
Capaz de enfrentar multidões
Incapaz de conversar com um desconhecido
Corajoso para mudar o mundo
Tremendo de medo do cotidiano
Feroz contra grandes questões
Caindo de cara nas trivialidades
Forte para dizer “eu te amo”
Reticente no “bom dia” automático
Herói na fileira das lutas,
Anti-heroi na fila do pão
Sempre tanto, sempre quanto,
Sempre muito, muito sempre
Muita raiz, muita semente
A vida pesa como um grande poema de uma só estrofe
E a força para carregá-la é tão grande
E a força para escrevê-lo é tao dura
Tanto e quanto a frigidez do dia-a-dia
E por isso a poesia
E por isso a ousadia
De pelo menos aqui
Ser menos
Ser pouco
E exigir somente ser

Quando o mundo não é o meu quarto

sexta-feira, 22 de abril de 2016

Embaraço

Cansado de já não tê-lo
E de sua vida numa tela
De quando olharem para ele
Sempre buscarem por ela
No embaraçado apelo
Talvez vivesse um novelo
Ou então uma novela

sexta-feira, 15 de abril de 2016

História

Enquanto desnudam os mitos
Costuramos o amanhã
Com a agulha da luta
E com a linha do tempo
Para vestir nossos sonhos
E agasalhar esperanças

Um golpe real
No nosso estado
De espírito

quinta-feira, 14 de abril de 2016

O Indulto

Desobrigando-se dos sabores
Temperando seus passos
Caminhados em sintonia
Tendo o silêncio ao seu lado
E as vozes do aparente
Apresentando a paz

Há sempre um gozo no escuro
Um luto nos refletores
E um sorriso frente ao nada
Dançando rumo ao reflexo
Beirando a reflexão

Dessaborando as obrigações
Pacificando os gostos
Sintonizando os passos
Ao lado de si mesmo
Para flertar em cada esquina
Paquerar com os próprios sonhos
Enamorar-se em vão

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A porra e o porre: sobre o REUNI e palavrões (05 de abril de 2016)

"Oh senhor cidadão,
eu quero saber, eu quero saber
com quantos quilos de medo,
com quantos quilos de medo
se faz uma tradição?" Tom Zé

Se há uma boa ocasião para fazer uso de um sonoro palavrão é quando você é surpreendido. Como um sujeito que não tem medo de um bom debate sei que faço muita gente pecar, ora dizendo, ora pensando palavrões. No entanto, há momentos onde a polêmica não nasce de nossas mãos, mas caem no nosso colo. Pois a experiência com elas já demonstrou como evitar aquelas que são desnecessárias e nada constroem.

Certa vez, Millor Fernandes bem disse do poder libertador do “foda-se”. Não posso afirmar se esse poder é realmente universal, imagino que não. Mas tenho que confessar que sou adepto do palavrão como terapia e que vale a pena. Quem nunca o utilizou? Afinal, há certas expressões (e somente elas) que de fato são capazes de conceder-nos a real amplitude das coisas. Nunca uma topada onde colidimos o dedo mindinho na quina de uma porta poderá ser manifestada com “macacos me mordam” como nos sugere à dublagem dos filmes.

Sendo funcional, mas não universal, o palavrão também precisa ter hora e lugar e quando posto de modo que cause interpretações dúbias, quem o expressa haverá de lançar mão das desculpas para conter a coerção social perante o ato. Se ao invés de “Para Questão Judaica” o jovem Marx tivesse escrito “Para a questão do palavrão” certamente diria que dizê-lo fazia parte de um ganho menor, no âmbito da emancipação política, afinal, o mesmo poderia ser em certas quadras algo que expressasse o avanço democrático, no entanto, para aqueles que buscam a emancipação humana, haveria a necessidade de buscar desvendar quais os reais palavrões que nos atacam cotidianamente, sendo aqueles primeiros desnecessários ou irrelevantes como instrumentos.

Ontem, ao chegar à universidade, fui surpreendido com o cartaz para uma atividade que fui convidado no final de semana. Tratava-se de uma Roda de Conversa sobre o REUNI, a ser realizada hoje no Centro Acadêmico de Serviço Social. Sobre a temática e lugar nada de estranho, pois o movimento estudantil de nossa categoria sempre esteve na linha de frente desses assuntos. O elemento extraordinário estava no caráter jocoso da propaganda como escolha "agitativa" por parte das/dos discentes ao perguntarem no cartaz “REUNI, que p*rra é essa?”.

Pois bem, lá estava o meu nome, dessa forma, despojada, ainda que com o asterisco amenizador. Não sendo um moralista, mas percebendo a infelicidade da peça publicitária, me peguei sem saber o motivo de não está lá “Roda de Conversa sobre o REUNI” como me chegou, mas conhecendo também as boas intenções da militância estudantil e os tropeços metodológicos, já imaginei os porquês. Sabendo que poderia haver interpretações diversas daquilo, precisava dialogar com as/os discentes sobre o fato de que por ser debatedor e desconhecer o mote dado pelo MESS isso demonstrava um grande erro do movimento. Afinal, o nome da mesa tem que ser dialogado com quem vai facilitar, sob pena de discordâncias teóricas e metodológicas não ficarem apenas para o espaço em si. Foi um erro, mas o movimento estudantil também vive deles, é do caráter transitório e da ousadia própria de sua natureza social, ora acerta, ora não. Buscando um formato que mobilizasse mais gente e causasse um debate anterior, a aposta foi “descontrair” e ela veio sem peso e medida. Mas o erro metodológico não exclui o caráter das críticas hegemônicas e que demonstram o erro maior, no plano tático.

O alvoroço com a agitação do movimento estudantil fez com que muitos daqueles que problematizaram o teor pejorativo do “porra” revelasse uma preocupação maior com a expressão do que com o REUNI em si. Nesse sentido, não foi o caráter moral da expressão o erro. Mais do que errar no tom, as/os militantes aprenderam nesse caso que, além de não mudar a temática de uma mesa de supetão, é necessário pensar a forma como um elemento que exige bastante cuidado, sob pena daqueles que discordam do conteúdo focarem somente nisso para não discutir o essencial. Certamente muita gente que não gosta de palavrões achou desnecessário o cartaz e tinha razão. No entanto, a crítica ao “porra” feita por muitos outros era curiosamente inversamente proporcional às (não) críticas que os mesmo tinham ou tem ao REUNI, ou ao ENADE, ou ao PROUNI, etc. Além daqueles outros que veem sempre nesses desencontros a oportunidade de expressar o incomodo que cultivam perante a articulação entre militantes docentes com o movimento estudantil. Nesse sentido, a expressão deu mote para tentarem obscurecer o real objetivo da discussão, isso sim um erro grave.

Mas é preciso que se diga: se o “porra” foi um erro, se o cartaz foi colocado de modo errado, foi sim bastante acertado e oportuno o debate. Demonstrou a necessidade de fazê-lo mais e mais. De desvendarmos aqueles outros palavrões enormes que assaltam a universidade como a “precarização”, a “terceirização”, a “privatização”. Se a expressão chula deu oportunidade para um polemismo aparecer escondendo a importância dessa reflexão (que não é nada anacrônica), a atividade em si reacendeu o caráter fundamental que precisa ser reavivado no ambiente acadêmico. Esse acerto do movimento estudantil do serviço social foi fundamental.

De fato o REUNI não é uma porra, seria pejorativo e intelectualmente desonesto também dialogar desse modo com aqueles que o defenderam. Os argumentos críticos estão em nosso cotidiano não deixando que seja necessário adjetivar de modo tão deselegante. No máximo, o REUNI foi um porre. Um péssimo porre. Daqueles que quando você está tomando muita gente diz que é uma maravilha, que aquela bebida é de qualidade, enquanto outros afirmam que após a farra as consequências serão absurdas. E de repente está lá você numa ressaca maldita, vomitando, todo se tremendo, pensando mil palavrões e se perguntando por que fez aquilo. O porre do REUNI deixou a ressaca atual para a universidade viver e ela durará bastante.

O “porra” do alunado era menos um adjetivo que conceituava como um rebaixamento da temática e mais algo que queria expressar desconhecimento. Essa geração não conheceu esse debate, só pegou as consequências do mesmo. É uma geração que expressa, de modo atrapalhado, talvez, sua estranheza de como a expansão precarizada pode iludir tanto, com o fato de uma política voltada para o superficial ter sido tão elogiada, de como o exclusivismo do pensamento no acesso e não na permanência pode se esgotar assim, não conseguindo compreender onde havia um discurso consolador esperando rios de leite e mel nos campos celestes da academia sob bases tão frígidas. A estranheza advém de perceber o REUNI como um dos tentáculos de uma contrarreforma universitária ampla e complexa que se expressou não só nele, mas desde o “Universidade Nova”, na lei de inovação tecnológica, no SINAES, no PROUNI, no desmantelamento da carreira docente, na UAB, no PROIFES, no produtivismo da CAPES e CNPq, etc.

Entre o equívoco na linguagem do cartaz como erro tático, entre o equívoco metodológico de não consultarem o convidado sobre isso, entre os atropelos comuns buscando o acerto no debate, o caráter pedagógico me permite ir lá dialogar sobre a temática e colaborar para acertar as resistências coletivas dos diversos sujeitos que compõem a comunidade acadêmica, pois o presente e futuro nos reservam a necessidade de muito fôlego. Difícil mesmo é perdoar o erro de quem vendeu o REUNI como uma palavrinha, quando na verdade ele era um enorme palavrão.

Que venham novos debates, que deixemos os palavrões para as topadas nas quinas das portas e o façamos sem perder a ternura, por que em tempos em que mais do que falarmos palavrões vivemos palavrões “ a gente vai se amando que, também, sem um carinho ninguém segura esse rojão” (Chico Buarque).

terça-feira, 29 de março de 2016

Nascente

Como quem sabe
Como quem duvida
Caminho um passo
E suspiro outro
Sabendo que há muito nesse vazio
E pouco naqueles excessos

Nado de braçadas
Contra a correnteza
Não para exercitar
Mas por saber que no nascente
A água é cristalina
E a vista é mais bonita

O caminho é árduo
Braço-a-braço
No raso caminho um passo
E transpiro dois
E quando canso
Como quem sabe
Como quem duvida
Respiro a brisa da boa fé
Um sopro de calma
No olho do furacão

quarta-feira, 16 de março de 2016

A Pedra

No bico do sapato tinha uma pedra
Naquela vitrine tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meu rim
De tantas pedras sobre mim
Foi quando caminhei sozinho
Que descobri que eu era uma
Para alguém e o seu caminho 

Marca

Massagearam o punhal nas cortinas da distância
O sangue saiu da lâmina, beijou o seu tecido
Fincando a cor e a carne de outrora
Como uma estampa de estanque

Invisível aos olhos
Longe de tudo e de todos
O corte permaneceu
Onde não se esconde a dor
Nem o orgulho do erro

Toda costura deixa marcas

segunda-feira, 14 de março de 2016

Laços

Multiplico os poucos
E aos poucos me mostro
Não sei o motivo da pressa
Ou da fala que não cessa
Se não sou de risos frouxos
Mas de sorrisos abertos

Gosto do sussurrar do canto
Do encanto do pouco
Do cochichado e do assobio
Não do barulho vazio
Mas do silêncio nas canções

Quando o excesso é elogio
Nos descaminhos que crio
Prefiro o som de um rio
E dispenso as multidões

quinta-feira, 10 de março de 2016

Coração

Por ser semente de amor
Mesmo banhada por lágrimas
Na infértil terra do tempo
Brotou-se uma flor
No coração da ferida

Onde hoje é pura seca
Há de existir vida

Penumbra

Taciturno
Oco opaco
Tece o muro
No fiapo

Puro trapo
Parto rusgo
Rasgando a forma

E o conteúdo

quinta-feira, 3 de março de 2016

Vespertino

Dessas tardes largas
Desse tempo rude
Fica o desejo
De que o mundo mudo
Mude

Entreato

O vácuo alimentava a mente
E amortecia sua morada
Coração dormente
Incapaz de olhar ao lado
Ali vomitava palavras
Com gostinho de prazer
E incapazes de revelar
A estranha sensação
De estranhamento pleno

Naquele buraco
Nunca se falou tanto em liberdade
Enquanto prendia a si mesma
Naquele vácuo cheio de nadas
Vivia escrava de suas vontades
Onde não há eternidade
Onde a mente crescia
E o coração apequeneva
Para sempre

Miragem

Querendo viver as coisas
Esqueceu-se das pessoas
E elas são importantes
Querendo viver das coisas
Encheu-se de vazios
Para voar pelo mundo

Flutuar impreciso e fluido
Sob um céu de ilusões
E sobre um chão de mágoas

Sinceras

quarta-feira, 2 de março de 2016

Subtexto

Daquelas palavras subterrâneas
Que guardam segredos, maldições e mágoas
 E caminham pelos esgotos espalhando
A irresponsabilidade com a mensagem
Naquelas palavras subterrâneas
O emissor regozija, o receptor apetece
E o resto é vilipendiado pelo aroma
Do egoísmo e da traição

Malditas sejam essas palavras
Podres e falsas, capazes de fingir realidades
De mirarem aparências e forjarem laços
Que só existem no escuro
Onde a verdade não chega
Nem o peso do cuidado
Com o outro

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O baile

No baile da superfície
Na dança entre o ser e o parecer
Dei de cara com o egoísmo fantasiado de coragem
Encontrei o hedonismo vestido de liberdade
E vi aquele vazio fingindo ser coerência
A ética não veio à festa
Não sabe se mascarar

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016



Eu que sou nulo
Desnudo meu tudo
Desloco meu nada
Sob o céu
Da madrugada

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Aroe Jari


Quando acaba a chama
O fogo apaga
A alma clama
O corpo paga
E o mundo chama
O fim da rima
Findando mágoa

Pura água
Cristalina
Acalmando nossa sina

sábado, 2 de janeiro de 2016

Déjà vu

Ilusões, solidões, mentiras
Plurais fantasiando o singular
Repetidas sinas que perfuram o corpo
A mente e a alma
O desespero para não ser sozinho
O estar eternamente só
E a cobrança para ser condescendente:
"Você exige demais"
Feliz 1999, 2003,  2005, 2013, 2015...

Endereço

Após tormentos, tempestades, terromotos
A calmaria veio sacodir sua alma
Fitando sua vida cheia de nãos
Ele queria voltar para casa
Mas não sabia onde era