segunda-feira, 18 de abril de 2011

O Abril, as cortinas e o voo do palhaço

eu já era o que eu sou agora, mas agora gosto de ser” Oswaldo Montenegro

Quem um dia sonhou em ser palhaço? Aquele personagem amado e odiado, malandro, ladrão de galinha, que rouba sorrisos e que quando bufão de déspotas nos castelos faz de suas piadas e gritos, denúncia, irreverência e questionamento aos desmandos do Imperador. 
Quem um dia quis ser palhaço? Viajar pelo mundo, ser protagonista, conhecer lugarejos, ganha-los de assalto, de cidade em cidade montando sua lona, vivendo mambembe, botando boneco.

Hoje lembrei-me de um menino que conheci há muito tempo. Um menino que por um certo tempo eu quase esqueci por inteiro. Pequeno, ingênuo e calado, porém inventivo, questionador. Quase sempre brincando sozinho, mas cheio de companhias que ele mesmo escolhia. Era um garoto comum, mas que vislumbrava um poder descomunal: A onipotência criativa. Cedo aprendeu a imaginar, a ser o que quisesse em sua mente. Rei de si, era herói, cantor, artista...

Ele queria ser palhaço. O menino, ainda em sua inocência, fazia circos em sua casa, bandas de música com baterias feitas com latas de leite em pó, cinema com os filmes da Sessão da Tarde gravados em fitas VHS. Sempre querendo algo mais, sempre inquieto, sonhador, angustiado. Nunca soube bem porque seu corpo, seu espaço, sua vida eram menores que seu espírito, nunca soube.

Em sua pequenez, ele queria o nariz vermelho, o espetáculo, o improviso, a rebeldia que foge do roteiro. Desejava transformar o mundo em seus sonhos, fazer sorrir, fazer o mundo ter motivos para isso. Em sua pequenez, ele não sabia o tamanho do desafio, da dor, do desprendimento que tinham os palhaços ao pegarem para si as dores alheias e as digerirem, chorando-as nos bastidores.

O menino nunca entendeu porque não queria ser um médico, advogado ou mesmo um vaqueiro como aqueles de sua cidadela, mas sim, um palhaço. Nunca soube porque diabos sua cabeça sempre o levava para longe dali, para os desenhos das nuvens de algodão no céu azulado. Aquelas nuvens para quem ele sempre olhava pelas grades da janela da sala, enquanto ouvia um disco de vinil na radiola de seus pais: “seria muito bom, seria muito legal se cantor ou compositor pudesse ser ator ou jogador de futebol...”. Um estranho sentimento constante entoava entre a melodia, a sua fantasia e a voz grave saindo do disco arranhado.

O que o palhacinho ainda não entendia é que ele não estaria disposto a aceitar o mundo como ele era, tão triste e desigual, tão cheio de grades nas janelas impedindo os voos até aquelas nuvens. Um mundo tão repleto de coisas cinzas, piadas ruins e sonhos não realizados. Ele, que queria ser cantor, compositor, ator e jogador de futebol, tudo junto, tudo ao mesmo tempo agora, ainda não entendia. Ele que queria assobiar e chupar cana, tudo perfeito e bacana e não mais em sua mente, não mais somente nela, ainda não percebia.

O tempo passou e o menino chorou, tirou a maquiagem do rosto e além dos seus sonhos, aprendeu o que era o amor. Aprendeu também o ódio, a odiar, a indignar-se com o palco e com a plateia e quando aprendeu o que era o rancor, resolveu aprender também a perdoar, a ter misericórdia de seus próprios erros.

Foi aprendendo, aprendendo e aprendendo e assim descobriu sua vocação. Além da palhaçada, descobriu o que fazia de melhor e o que queria fazer para sempre: queria aprender mais, era um aprendedor nato. O palhaço então foi crescendo, tocou violão, fez vídeos em programas de edição amadores, organizou festivais de rock, lutou nas ruas... Ainda sonhando fazer esse mundo sorrir com motivo, mas agora, com plena consciência do peso das lágrimas dos bastidores, da digestão indigesta das dores, suas e do mundo.

Se eu pudesse voltar no tempo e encontrá-lo no corredor de sua casa, próximo a cozinha com seus bonecos espalhados pelo chão ou representado, atuando como um padre enrolado num lençol branco ou, ainda, na calçada da igreja perto de sua casa, correndo de um lado para o outro, vivendo o presente, mas já sonhando com o amanhã, seu pudesse visitá-lo lhe diria para viver tudo que tem para viver, diria que ele deveria passar por tudo da mesma forma, viver erros e acertos, os seus e os do mundo, só para chegar nesse 19 de abril de 2011 e reafirmar o seus sonhos de sagaz Bobo da Corte. Faria isso para mostrá-lo o quanto aprendeu, o quanto ele é um péssimo aluno, mas um exímio aprendedor e que nesses ensinamentos descobriu o principal: o quanto ainda tem para aprender.

Ele bem desconfiava, já que, ainda naquele tempo, ele cantava instintivamente um hit do.l momento: “felicidade brilha no ar como uma estrela que não está lá”. Se eu pudesse encontrá-lo não lhe desejaria felicidade, pois bem sei que a recusaria de prontidão, é uma coisa que nunca almejou. Desejar-lhe-ia força para seguir amando os seus sonhos e odiando as desigualdades desse mundo.

Diria do orgulho que tenho dele, mesmo que às vezes doa, mesmo quando as arquibancadas estão vazias, mesmo quando a comédia é confundida com chacota. Sinto orgulho desse ímpeto de tornar-se fabricante de sonhos, demolidor de paradigmas, desde aqueles cabelos longos aos onze anos de idade, cuspindo no preconceito de seus conterrâneos em sua cidadela no meio do sertão, até o moicano imponente na juventude, afirmando sua rebeldia natural e infinita.

É com os olhos marejados que lembro desse menino. Sei que com um quarto de século de vida o palhaço, ainda jovem, sente seu espírito ainda muito maior de que tudo que já viveu e sabe que só há uma maneira de satisfazer-se: no picadeiro, como protagonista da vida, de sua vida e do mundo de todos. Fazendo-se, pintando-se com tintas coloridas e transformando as lágrimas de por trás das cortinas em versos, letras, melodias, imagens, atitudes, metamorfoses, práxis.

Nos versos dispersos e tortuosos, nos acordes de blues ou batidas de alfaias, no duro destino que o fez mais tango, nas lâminas poéticas que o esculpe em sangue, o menino, palhaço, artista frustrado, ainda sonha, fantasia alto, mas acredita que, apesar de tudo, ainda há muitos lugares para montar seu circo e que nos próximo meio século de vida aprenderá a voar. Quem quer ir com ele?

tenho 25 anos de sonho e sangue e de América do Sul...” Belchior


Wescley 

Um comentário:

  1. Fazer sorrir é uma arte, e sorrir é um sentimento.

    Talvez pensando no hoje, não mudaria assim com tanta certeza o ontem.

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