quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Fala sério, greve de novo?

Profa Vanessa C Furtado
Prof Paulo Wescley Maia Pinheiro
Prof Kader Assad
Em 2015 construímos a greve mais longa da categoria docente (4 meses e 22 dias), diante de um quadro crítico do ensino superior público no país. Naquele momento o governo optava pelo avanço dos cortes nas universidades, expressando as escolhas político-econômicas distantes dos interesses dos/das trabalhadores/as e próximas àqueles que buscam garantir as taxas de lucro em detrimento de qualquer direito.
Durante o processo de resistência que se espalhou pelas universidades de todo o país, alguns preferiram ficar como espectadores desse movimento, seja garantindo seus projetos individuais (continuidade das pesquisas, viagens, etc), seja de dentro de casa em frente ao seu computador. Muitos assistiram a greve de 2015 e ao serem convocados a retornarem à sala de aula, assim o fizeram, satisfeitos com seus 5.5% de “aumento” em agosto/2016 e 5% prometidos em janeiro/2017. Ainda que os anúncios de cortes no orçamento do MEC chegassem a 46%.
Dentro dessa parcela da comunidade acadêmica, seja pelo distanciamento dos debates e noção superficial de representatividade, ou  pela explícita discordância com o projeto de universidade pública, gratuita e socialmente referenciada, uma gama de argumentos, supostamente pertinentes, compunham o coro dos contrários a greve. Nessas assertivas, algumas questões se destacavam sem nenhuma novidade, já que, sempre retornam quando uma categoria toma como tática o movimento paredista, a saber: seria egoísmo/corporativismo pautar reajuste salarial no contexto de crise; seria preciso pensar outras formas de luta sem parar as atividades; e, a greve esvazia a universidade, não trazendo mobilizações massificadas para pressionar o governo.
No outro lado, atacada pelos setores conservadores dentro e fora da universidade, ignorada ou criminalizada pela grande mídia, duramente reprimida pela polícia nas manifestações e desconsiderada pelos governos, a parcela da comunidade acadêmica que se mobilizou naquele momento, via  suas reais pautas e seu histórico de diferentes formas de mobilização permanecerem invisíveis  para a grande maioria da sociedade.  
Nesse sentido, é preciso que desmitifiquemos algumas questões. Afinal, a greve teve como centralidade o reajuste salarial, não?
Não! É necessário recordar que, no momento da radicalização, várias universidades estavam com risco de pararem suas atividades por falta de verbas para questões básicas, como por exemplo, o pagamento de serviços terceirizados da limpeza (ponto revelador da privatização), cortes de bolsas, entre outros. O processo de desmantelamento das universidades era um projeto que se anunciava de modo explícito e progressivo como tática das escolhas econômicas e fiscais do estado.
Vale lembrar que quem tornou pública a falência das universidades como escolha política de governo, pressionando a abertura de contas das Instituições Federais de Ensino Superior – IFES –, mobilizando para que não se aumentassem os cortes e, pelo menos, jogando para o futuro os elementos mais amplos dessa desconstrução, foram, justamente, os setores em greve.
Dessa forma, se não houve avanço na pauta de correção dos salários de acordo com a inflação (e não de aumento salarial), se não se obteve êxito na mudança da carreira docente devastada em 2012, foram professores/as, técnico-administrativos e discentes que, mobilizados naquela greve, pressionaram para que houvesse condições mínimas de continuidade de funcionamento dos campi. Se por um lado, muitas reitorias estavam de “pires na mão”, por outro o processo de tensão consequente do movimento paredista não permitiu o aprofundamento dos cortes.  
Em 2015 o cenário posto para as IFES eram cortes que atingiram a casa dos 9 bilhões de reais, redução anunciada (pasmem!) pela equipe do então governo  Dilma – PT. Em setembro do mesmo ano a mesma equipe anunciou uma série de medidas de austeridade, conhecidas como “pacotaço”, prevendo vários cortes no orçamento da união. Em entrevista, o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apela ao congresso nacional que votem os projetos de leis e PEC que tramitavam (e ainda tramitam) pela casa. Aqui, o então ministro, já faziam referências à PEC 241, agora PEC 55, bem como ao PLP 257 enviado diretamente do gabinete da presidenta Dilma.
Ao sairmos da greve, indicamos a necessidade da construção da unidade na luta para enfrentar e barrar a aprovação das referidas matérias no Congresso Nacional e Senado. Desde então, viemos trabalhando duramente para a construção dessa articulação ampla em todo país, realizando mesas de debates, atos públicos unificados, reunião com parlamentares, visita aos gabinetes na câmara em Brasília-DF.
O ANDES-SN e suas seções sindicais não pouparam esforços em realizar todas as outras formas de enfrentamento contra a aprovação dos projetos em tramitação e que representam a retirada de direitos historicamente conquistados, ou seja, um ataque direto a nós trabalhadoras/es. Assim, nunca se tratou de uma luta corporativista da categoria docente apenas por seus direitos.
A partir da retirada de Dilma da presidência, o agente executor, o ilegítimo Michel Temer, vem cumprindo e ampliando a agenda regressiva já anunciada desde o ano passado. O mais afrontoso ataque é a Emenda Constitucional 241/55 que altera a Constituição Federal, limitando os investimentos em Seguridade Social (saúde, educação e assistência social) aos índices inflacionários do ano anterior, índices esses indicados pelas agências do governo. A proposta que vincula os investimentos do Estado aos ditames do mercado e não aos interesses e necessidades da população faz parte de um pacote de ataques que perpassa a contrarreforma da previdência, a desconstrução dos direitos trabalhistas, o ataque ao pluralismo e ao debate crítico na educação, entre outros.
Diante desse quadro, a construção da Greve Geral da classe trabalhadora se afirma como elemento fundamental de pressão e visibilidade das pautas contra as necessidades presentes para a população. A conjuntura atual urge a pela paralisação da produção e reprodução para pressionarmos o governo e aqueles que o financiam. São igualmente urgentes: a ocupação das escolas, universidades, fábricas, corações e mentes diante dos retrocessos, do avanço do ódio, da intolerância e da desigualdade. Nesse sentido, a Greve não é para atrasar a formação dos discentes, mas, sobretudo, para garantir que ela ainda exista de forma pública e gratuita.
A urgência de reconstruirmos uma educação e uma vida com sentido não são pautas partidárias, revanchistas e nem corporativistas, mas tarefas do nosso tempo histórico, exigência para que a universidade seja um direito e não um privilégio ou mercadoria. E, assim, para que nossos/as discentes tenham direito a qualidade, que, quando formados, possam ter direitos como trabalhadoras/es, que possam almejar condições de trabalho dignas, estabilidade e qualidade de vida.
É fundamental que possamos desconstruir os equívocos de que o processo de mobilização radical é uma construção imediata e irresponsável. É imperativo mantermos as diversas atividades, atos públicos, tentativas de negociação e demais iniciativas ao longo desses meses. É inexorável frisar que nenhuma greve surge do nada e nem é construída sem sujeitos. Dessa forma, o histórico esvaziamento da universidade, apontado por alguns grupos, só será superado com a ampliação do número de pessoas que ocupem os espaços de mobilização. Devemos fazer desse processo uma construção coletiva, pedagógica e cidadã, demonstrando que seremos capazes de ensinar, aprender e construir conhecimento de modo crítico, combativo, autônomo e pleno de sentido diante de um quadro devastador para a educação.
O chamamento da greve e ocupação não é para a paralisação, e sim para a mobilização. Paralisados estamos quando permanecemos inertes, mergulhados em nossas atividades, assoberbados na precarização, na esperança que nossos projetos individuais sejam capazes de nos fazer superar as dificuldades. A convocação para a luta não é para o esvaziamento da universidade, é para sua ocupação real e popular, com aulas públicas, com atos, manifestações, com a nossa comunidade acadêmica ultrapassando nossos muros e mostrando a importância dessa instituição, abrindo as portas e o diálogo para com a população. Assim sendo, possibilitar uma construção pedagógica muito mais ampla do que a formação técnica para a empregabilidade, mas como elemento da formação humana, questão que deveria ser fundante da universidade.

Portanto, a construção da greve é tão dura quanto necessária! Não porque lutamos pelo corporativismo salarial, mas sim porque acreditamos que este é o instrumento que nos resta de resistência contra os ataques que o governo vem efusivamente empenhando contra os direitos da população brasileira. Vamos á luta!

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O silêncio e o barulho na dança do real

Existe a realidade. Inexorável, objetiva, concreta, ela existe complexa, cheia de determinações, se expressando no cotidiano irremediavelmente heterogêneo, imediato, fragmentado, insuprimível. A realidade se esconde e se revela sorrateira, surge com vendas em nossos olhos, nos permitindo conhece-la parcialmente por nossas experiências. Ela se manifesta caleidoscópica, cumprindo suas armadilhas de sugerir-se inteira a partir das vivências particulares.

Entre um ser humano inteiro e o inteiramente humano vamos dançando o baile entre cotidiano e realidade. Permanecemos passeando pelo que nos salta aos olhos, comumente sem conseguir ultrapassar o alcance da nossa visão, ainda com esforço, mesmo que pintemos esse espetáculo com os sentidos que queremos. A tarefa não é simples.

Buscando superar o cotidiano há quem acredite não haver o real, embora ele esteja lá, há quem acredite que o real é aquilo vive, apenas aquilo, ou que é possível somente por ali conhecer todas as mediações que o constituem. Há também quem molde um real amplo para o seu particular, quem mergulhe nas buscas profundas, mas se afogue apenas em seu próprio ar.

Diante desses desafios tudo tende a ser reduzido ao binômio causa-consequência ou à falácia da impossibilidade. Criam-se mitos para dar sentido às percepções, referendam-se crenças nas mudanças singulares ou nas respostas microscópicas ou supostamente amplas. Por outro lado, se confunde universalidade com totalidade, jogam as apostas nas mudanças de sentido e significado, blefam na dinâmica da imediaticidade rivalizando, fulanizando, umbiguizando as coisas. Mas a realidade existe.

A realidade é estranhada, alienada, coisificada. Não há fórmulas emancipatórias de superação e construção de outra realidade que não busque os elementos concretos.  A dança travestida de elementos emancipatórios apoia-se nas performances, nos meandros particulares, na percepção urgente, real, mas parcial. 

Há muito o que se enxergar. Lançar um olhar sobre o real, sem uma lente profunda, crítica e irremediavelmente difícil torna aquilo apenas mais um olhar. Poderá fazer dormir mais tranquilo, ainda que seja o mesmo espectro da vaidade, do individualismo, da mistificação das determinações, agora maquiada de emancipação. Poderá fazer se sentir orgulhoso pela sua parte num todo, cumprindo o jogo das peças de um tabuleiro viciado e só. O teatro do real largo, cheio de vieses, mas apropriado, envolto do discurso de autoridade é apenas mais uma nuance.

Nesse jogo, nessa dança, nesses olhares, a busca pela trajetória mais difícil tem sucumbido, perdido ressonância, vivido um descompasso, se perdido nos descaminhos dos caminhos ainda que difíceis e duros, muito mais triviais. O temor é que não haja mais tempo nem espaço para se aprofundar. Que seja realmente o espetáculo do maniqueísmo, da dieta da consciência aparentemente revolucionária, temperada com o hedonismo, com as tintas e cores tão vivas e verossímeis, mas perecíveis... o temor é que seja isso tudo nosso espectro do tão pouco.

No paradoxo do visível, das esparrelas contemporâneas, falar junto sem ter o que dizer é o mesmo que falar sozinho, encontrar substância, mas não compartilhar.  Talvez o parlatório esteja cheio de mesmices distintas e lotado de ausências necessárias. Talvez esse número musical desafine, talvez ele acabe, talvez não. E a dança segue, mesmo que não a conheçamos, mesmo que não a reconheçamos. A dança segue na música do silêncio e do barulho vazio.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Forma

Tudo está um caos
Como dois mais dois
São quatro
Como o solo
Do candidato
Como a sola
Do sapato

Como a fala da palestrante
Dizendo o que já sabem
Mas de modo
Irritante
Para que façamos a cara
"Como não pensamos nisso antes?"

A palestra
Astuta
Atesta
Atenta
A testa
Ao tato
Ao totem
Ao palco

Tudo está um caos
Tudo assim
Tudo igual

sábado, 19 de novembro de 2016

Umbigo

O sintoma inexorável
Apodera-se vertiginosamente
Apaga a visão periférica
Orbita sobre si mesmo
Cultuando o orifício

A força invisível
Puxa toda a atenção
Amortece a percepção do meio
Para concentração no meio
Da própria barriga

Cardápio

O agridoce cheiro da verdade
E o amargo gosto da injustiça
Brigam na cozinha da aparência
Empratados como unidade
Enfeitam o banquete do real
Para a desgustação das más linguas

Céu da tarde

O sorriso tem asas
Passeia por sobre a tarde
Voa e pousa carregando o ninho
Um café quente,
Um carinho de verdade
E um passarinho
De papel

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Reformismo x Reacionarismo

Haja ontem
Para tanto
Antes-de-ontem

O Auto da Incompletude

Sem vocação para ser herói
Decidi-me real
Com defeitos e medos
E coragem para enfrentá-los
Sem o dom para ser vilão
Construí-me humano
Apesar dos melindres
E do ódio das injustiças
Sem competência para ser mártir
Fiz-me vivo
Por vezes moribundo
Assassinando-me em silêncio
Comumente tenaz

Sendo eu mesmo
Assim tão pouco
Tão tosco
Tão impaciente e imperfeito
Sem talento para o palco
Para os risos da vaidade
E as lágrimas de crocodilo
Na coxia da vida
Escrevi as minhas falas
E declamei os meus poemas
Em voz baixa e sem plateia

Responsável por meus atos
Pelos meus acertos e erros
Aceito a pena que mereço
Rechaço o julgamento da aparência
Posto que até o dia de hoje
Só aprendi a atuar meu papel
De persona sem personagem
Sem entradas triunfantes
Sem trilhas emocionadas
Sem saídas épicas e gran finale

No Auto da incompletude
Assino meu nome
Naquelas letras que falei
Naqueles cacos que falhei
Naqueles passos que dei
No que de fato fiz
No espetáculo da concretude
Sigo protagonista de mim

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Cura

Um poema de auto-ajuda
Que pule do alto
E não me acuda

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Sobre o suicídio

Quantos dedos que estiveram em riste
Não puxaram o gatilho
Mas encerraram o julgamento?
Quantas mãos que a tocaram sob o medo
Esconderam suas digitais
No desespero e no cinismo?
Quantas palavras incrédulas sufocaram seu ar
Engasgaram na moral
E voltaram como dor?

Pelo seu punho
A força do outro
Pelo seus pés
Os pisões dele
Pela sua voz
O grito interrompido por todos
E então um voo violento
Por aroma de paz
E migalhas de liberdade

Quantos passados ainda vão mentir?
Quantos silêncios ainda vão matar?
Quantos cúmplices de um crime sem autor?
De carícias sem amor
De criminosos reais

domingo, 6 de novembro de 2016

Incerto

A certeza não compartilhada
É somente crença
Desaviso
Desavença

Segredo

O silêncio me alerta
Que será o meu final
Naquilo que não tem fim
O silêncio me cochicha
Sopra em meu ouvido
Esfria a minha espinha
Dizendo ser meu destino

Apavora-me ao lembrar
Que todo aquele barulho
Pode ser só teimosia

Fatal

A cerveja angustiada
Calada no brinde
Da alma blindada
Engolida como as dores
Da calada da noite
E da noite calada

Pós-traumático

Os fantasmas que me envolvem
São passantes e passados
Rodopiam em seu cigarro
E flutuam na fumaça
Que passeia por seus lábios

Os fantasmas que me envolvem
Fantasiam o odor
Adentram minhas narinas
Passeiam pela traqueia
E beijam os meus pulmões
Disfançando o interesse
Por perto do coração

Os fantasmas que me envolvem
Sabem seu gosto e até gostam
Quando visitam minha pele
Para gargalharem de minh'alma
Temperada de ossos e de carnes
De sangue e de lacunas
E de toda insegurança
De quem enxerga demais

11/15

Naqueles tempos não se soube
Se era um demônio
Ou uma menina
Se era o final
Ou uma esquina
Se era poeira
Ou cocaína
Se era furacão
Ou uma faxina