sexta-feira, 31 de julho de 2015

A luta.

São uma e meia da madrugada. Deve haver uma boa frase, dessas de facebook, que resuma bem a surra que estou levando. Desde onze da noite, a cada meia hora, entro em um novo round contra essa maldita companheira. Fecho os olhos e mil coisas enchem minha cabeça de porradas, cruzados de sonhos para cá, jab´s de preocupações para lá, fortes chutes de devaneios quaisquer e sequências de socos certeiros de certeza de que estarei um caco na hora que eu deveria acordar.

E é assim que funciona: Vou apanhando, apanhando e quando estou quase sendo nocauteado, apelo para o gongo, ligo a tv ou vejo um vídeo no youtube e ganho cinco minutos de distração. Depois desligo, me viro na cama, me reviro logo após e lá vamos nós novamente.

Os ponteiros ultrapassam minha consciência. Penso que deveria ter lavado aquela pilha de pratos, passado as roupas, feito a mala, lido aqueles livros que estão na mesa... teria dado tempo. Penso que poderia ser um desses vlogger´s que estão na moda, que ganham uma grana falando trivialidades na internet, ou que talvez o melhor teria sido ir tomar uma cerveja e pelo menos ter vencido parcialmente a tosse seca intermitente que me ataca a garganta, tempero peculiar dessa batalha noturna.

Penso em levantar. A dura ironia é que, ao contrário do boxe, nessa analogia infeliz, ir à lona seria a minha vitória, ao passo que ficar de pé e ir aos afazeres urgentes e devidamente procrastinados, demonstraria a evidente derrota ante à minha adversária irremediável.

E esse barulho lá fora? Será o caminhão do lixo? Está atrasado hoje. Uma e quarenta e quatro. Talvez eu fale demais durante o dia, talvez eu reclame muito de tudo, talvez eu cobre muito do mundo e de mim mesmo. Hora da severa avaliação sob o som do caminhão do lixo. Momento tradicional. É provável que eu esteja um caco amanhã. Olheiras enormes, de mau humor, tossindo e com uma pilha de pratos para lavar, com roupas para passar e uma mala por fazer. Se eu fosse um desses caras que fazem sucesso com as amenidades na internet talvez tivesse tudo isso ainda, mas poderia ganhar dinheiro com essas lamúrias.

Se eu fumasse teria acabado meu sexto cigarro agora. Eu bem que poderia ser um desses humoristas de stand up comedy e reclamar disso tudo com o microfone na mão num desses barzinhos chiques. Poderia fazer piada com a proposta do ministro da educação para as universidades, poderia publicizar aquela piada que pensei sobre o fato de que ser professor é ter pelo menos trinta e tantas pessoas  torcendo para que você adoeça num dia de prova. Ou ainda partir para o golpe baixo dos trocadilhos e falar do currículo “que latte mas não morde” e dessa sanha maluca produtivista e a exigência do talento de escritor para exercer a dádiva da invenção com aqueles relatórios intermináveis e repetitivos e da prática do pior neologismo da face da terra: artigar. Seria legal falar sobre essa ficção científica que alimenta o insaciável monstrinho que nos capta o espírito. Acho que ninguém veria graça.

Pois é, tudo não passa de mais golpes nessa tempestade de pensamentos. Falando em ser escritor, bem que eu poderia ser um de verdade e transformar esse lenga-lenga numa crônica com alguma qualidade. Ao invés disso estou perdendo a luta contra minha inimiga íntima. Levando porrada do invisível, sendo enxotado por um caleidoscópio de auto-cobrança, ansiedade e falta de foco.

Uma hora e cinquenta minutos cravados no relógio . Preciso achar uma saída. Vou achar e quando encontrá-la escreverei sobre ela. Farei um livro de autoajuda daqueles de vitrine de livraria e ficarei rico com essa pancadaria. Ou melhor, vou recorrer para esses contos de bruxas, vampiros e fadas ou ir para frases de efeito que possam ser recortadas e colocadas nos giff´s das correntes de e-mail´s ou nas fotografias compartilhadas nas redes sociais. Um escritor de 140 caracteres!

Ser um bom frasista poderia ajudar a transformar essa tortura em algo produtivo. Eu poderia escrever sobre política, mas eu seria assassinado pelas torcidas organizadas das eleições, eu poderia escrever sobre futebol, mas os beatos dos clubes não me deixariam impune. Eu poderia ainda profanar alguma religião, mas algum deputado certamente iria me processar. Preciso de uma boa frase, mas  assim fica difícil. Triste de um povo que trata política como futebol, futebol como religião e religião como política.

Duas horas da madrugada. Necessito de uma frase já. Deve haver uma boa frase, dessas de facebook, que resuma bem a surra que estou levando. O relógio denuncia meu estado deplorável, a escuridão tonifica meu desespero e o cursor piscando insistentemente na tela do editor de texto desse notebook evidencia o fracasso dessa última estratégia.

Preciso de uma frase. O despertador vai tocar em quatro horas  e não existe felicidade as seis horas da manhã.

Sétimo round!

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O corpo

Dias e dias bem vividos, noites e noites mal dormidas, sol e lua testemunhas da vida e da morte nas ruas de nossas lutas. Aí o tempo passa, o corpo cobra e é preciso lembrar que atenuar também é humano. É necessário, a fina força, recordar a beleza de fechar os olhos.

Lá fora o tempo não espera, mas não será a esperança que irá me mover de novo. O corpo cobra, mas o espírito exige. E a exigência faz todo o sentido quando a direção se assevera queimando o combustível da indignação.

 Por dias muito mais bem vividos, com noites muito mais bem dormidas.


“Me poupa do vexame de morrer tão moço, muitas coisas ainda quero olhar”.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A GRÉCIA E OS LIMITES DA ESTRATÉGIA DEMOCRÁTICO-POPULAR

http://pcb.org.br/portal2/8873

Os olhos voltados para Grécia não são por acaso, as análises divergentes também não. Há ali expressões mais evidentes da crise do capital, há também as manifestações mais explícitas das estratégias e táticas diante dos embates apresentados. Nesse sentido, o regozijo de certa esquerda do lado de cá com a política nos moldes hegemônicos, sob a faceta supostamente progressista e combativa do Syriza representa o último fôlego da estratégia democrática-popular e seus limites reformistas.
Se em nossas terras a crítica ao que se transformou essa estratégia fica, por vezes, no superficial moralismo e eticismo, referendando os erros dos mergulhos na jogatina da política formal, da disputa do estado burguês e do rebaixamento de pautas, a experiência grega surge para esses grupos como algo que poderia demonstrar que o erro não seria de concepção, mas de como se colocou em prática. Ledo engano, se é que se pode chamar isso de engano. Os olhos voltados para Grécia, nessa perspectiva, representa a centelha do reformismo tomando mais um gole de superficialidade para capitalizar seu protagonismo como suposta alternativa na complexa conjuntura atual.
Mas aqui também há crítica pela esquerda aos rumos da política grega. E o alerta e a crítica sobre os limites da política do Syriza pelos comunistas de cá nunca foi somente porque tem um partido com uma foice, um martelo e a cor vermelha em sua bandeira do lado de lá. O internacionalismo não se faz por uma adesão mecânica e/ou religiosa. Tem muito partido comunista mundo a fora que degenerou e está bem longe da reconstrução de um projeto revolucionário. A análise é de estratégia e não um proselitismo barato.
Felizmente o KKE não está nesse bolo reformista e demonstrou nos últimos acontecimentos o que muitos de nós já colocávamos em reflexões sobre nossa conjuntura: em tempo de alto desenvolvimento das forças produtivas, de mundialização e crise estrutural do capital, da explicitação da função do estado burguês, em tempos de barbárie não há nenhuma outra estratégia capaz de enfrentamento real que não seja a socialista.
Quando as contradições explodem como um vulcão, quando o povo trabalhador se percebe nos limites da superexploração, quando as pessoas não mais aguentam as desculpas, os arranjos, os acordos da muleta estatal ante os detratores do capital produtivo e financeiro, há dois caminhos para os coletivos de trabalhadoras e trabalhadores organizados politicamente: um é fomentar táticas de uma ruptura real com o âmago dessas contradições; o outro é arrefecer essa direção, buscar o mal menor, o supostamente possível, aquilo que já se coloca em frente aos nossos olhos. Um é o caminho da ruptura, o outro, da afirmação.
Não há meio termo. Não há ”não” para a austeridade que seja um sim para uma suposta “austeridade humanizada” ou a conta gotas. Não há esperança no campo da mera retórica, não existe trincheira onde não se busca lutar. Enquanto a crítica for moral, enquanto a crítica for contra um “tipo” de capital, enquanto a crítica for contra a forma de gestão, enquanto a luta for por “mais” direitos e não por todos os direitos estaremos sempre lamentando o aparente acaso de nossas derrotas. Seja na Grécia, seja aqui, quem sucumbe ao reformismo terá perenemente o enorme esforço de sempre buscar uma nova desculpa, uma nova miragem, uma nova roupa para seu rebaixamento do horizonte. O capital agradece.​
*Wescley Pinheiro é ​professor e militante do PCB em Mato Grosso