terça-feira, 25 de novembro de 2014

"Põe a culpa na Abreu, antes ela do que eu"



Dias 25 de novembro. Fim do mês, faltando trinta dias para o natal do ano 2014. Que fique registrada a data que escrevi.

E estou dizendo isso pois sei que a celeuma da emblemática indicação da nefasta Kátia Abreu para compor o grupo dos ministros do próximo governo Dilma ainda vai gerar outro viés no futuro, algo com um teor bem diferente do que agora paira no ar como silêncio envergonhado (condescendente)  dos governistas e do voto rebaixado. Estou falando da estratégia do bode na sala.

Todo mundo deve conhecer essa história: O apartamento é minúsculo, a família passa o dia reclamando de falta de espaço, então o pai vai lá e coloca um bode na sala amarrado no sofá. Dias depois o caos está instalado: barulho, mau cheiro, fezes. Todos se revoltam com a presença do bode, há um completo desespero. Após muitos protestos, o engenhoso pai resolve aceitar as reivindicações, retira o bode da sala e todo mundo fica feliz, esquecendo o quão era ruim viver no pequeno apartamento.

Vejo com muita curiosidade a surpresa das pessoas com a indicação da Kátia Abreu. Não estou contando com os iludidos, mas com os soldados da retórica, para esses o problema maior não é o rumo das coisas, mas o nome da vez ser conhecido e reconhecido. A centralidade da questão para esse povo é o quão é simbólica a indicação de Abreu e não a política alinhada que já vem sendo aprofundada por anos e anos contra o povo do campo em favor do lucro desmedido, do desmatamento, da superexploração do trabalho.

 A indicação de Kátia é de fato um problema, mas apenas a ponta dele. Na verdade, pouco importaria se fosse fulano ou sicrano do segundo escalão do agronegócio, pouco importa se serão os jagunços ou os senhores da casa grande que colocarão a mão na massa, quem vem mandando e vai continuar fazendo isso serão os patrões. E nada na última eleição sugeriu que seria diferente. Nada mesmo. E não adianta colocar de modo fatalista a culpa na forma política atual como se não existissem opções de organização, luta, cobrança e pressão ante os interesses de classe que esse e todas as outras indicações ministeriais representam. Não adiante perpetuar o reformismo, naturalizando o possibilismo, o aliancismo e o proselitismo que se reproduz por aqui com o modus operanti do governo de "colisão".

Dito isso, afirmo que no dia que dona Kátia e demais nomes nefastos deixarem os ministérios por qualquer razão, não me venham comemorar a saída do bode da sala, assim como fazem quando meia dúzia de militantes conseguem vaiar a rede globo ao vivo ou quando a presidenta da república dança funk ou diz duas ou três palavras mais bonitinhas e se encontra com algum grupo de movimentos ligados ao seu partido. Antes e depois de Kátia ainda virá mais gente do latifúndio, do capital financeiro, do desmatamento e demais donos do poder de outras áreas. E isso não ocorrerá porque é necessário ou imutável, mas porque é a linha desse governo.

A data da profecia do bode está aqui registrada. Dessa forma, quando os "movimentos de pautas ganhas", daqui a alguns meses, saírem da caverna e bradar o "avanço popular", dizendo que terá uma guinada para a esquerda por conta das danças das cadeiras dentro dos carguinhos do governo, nós já saberemos que é só mais uma farsa entre bodes nas salas do planalto e donas e donos de grandes currais. E uma hora essa desculpa não vai colar.

O muda mais de Dilma será o que já vem sendo: a continuação da mudança via e rumo ao conservadorismo. A mea culpa no rebaixamento das expectativas da população, de uma década de vazio em formação política e de mero proselitismo vil na cooptação e bravatas perenes fica só na potência, nunca em ato. A turminha continua e continuará utilizando do "medo do passado" e se tornando cada vez mais parecido com ele. A chamada onda conservadora não acontece só do outro lado da cerca da falsa polarização de nossa política formal, ocorre por dentro do governo, desse governo que dia desses fingiram ser progressista.
 Como disse a presidenta para sua militância: menas, gente, menas.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Diário de supermercado 2: Laticínio ostentação




Adoro queijo. Difícil é ter que decidir entre pagar a conta de luz ou comer alguns pedacinhos durante a semana. No velho-oeste queijo deve ser coisa rara. Não importam as centenas de milhares de cabeça de gado que existam por aqui e suas dezenas de bilhares de litros de leite: comer queijo é sinal de status. A sociedade se divide entre os poucos que tomam seu café e podem luxar sua fatia de cheddar no pão e aqueles da absoluta maioria que sonham com tal regalia. Esse abismo do consumo é cada vez maior.

Chego ao supermercado e salto ao constatar o preço novamente.  Eu até já saiba, mas me chocarei sempre. Fico ali encarando a variedade do alimento branco-amarelado, gorduroso e bonito, imagino ele derretendo em meu grill, numa pizza ou ainda numa lasanha... Olho no olho dos cifrões, calculo a perversa equivalência entre o valor daqueles gramas fatiados e um quilo, recordo os saborosos, baratos e caseiros laticínios lá do Vale jaguaribano, trinco os dentes e... é hora do choque de realidade! Vamos lá, é preciso ser pragmático. Paro e já penso qual o dia do mês será o dia da mozzarella e qual o do queijo coalho, momentos especiais, nos outros dias uma colher de requeijão (no máximo). 

Tempos difíceis onde o misto quente é uma iguaria vendida a peso de ouro. Hoje mesmo que acordei inconsequente, fui à padaria e comi um. Ostentação total no melhor estilo classe média assalariada. Saí de lá com a barriga cheia (nem tanto), o bolso vazio e a consciência pesada. Quem pode, pode, pelo menos por enquanto. Se continuar aumentando terei que vender meu rim pra comer uns pãezinhos de queijo da próxima vez. 


domingo, 9 de novembro de 2014

1989

Quando a poeira subiu 
E os tijolos foram ao chão
Foi então decretado o fim da contradição
Mal sabiam 
Caia o muro
A história, não

Diário de supermercado 1: Comprando superpoderes



Percebendo minha inaptidão em manter regularmente uma vida não sedentária, tenho tentado praticar ao menos a redução de danos e modificar boa parte dos alimentos cotidianos. Esse não é um processo fácil e analisando os seus elementos percebo que essa parte do supermercado já me atingia sem eu sequer  nota-la, tudo dependendo da flutuação da moeda-dieta.

A indústria da boa forma é interessante, num dia chá verde cura tudo, no outro esquecem o chá e falam que é a linhaça, depois tudo vem com colágeno, para logo em seguida encontrarem um grão milagroso. É uma linha difícil de acompanhar a moda. Enfim, uma bolsa de valores onde a especulação entre o glúten, a lactose, as fibras e o chá dentox disputam o nervosismo do mercado. 

Nesse emaranhado de possibilidades vamos escolhendo: granola, bom, mas calórico; aveia, ótimo, mas tem glúten, que agora é ruim para todo mundo; iogurte desnatado; melhor, mas lactose agora incha. Tudo bem, sabemos as regras do jogo, o duro é quando a moda do carboidrato de baixo índice glicêmico atinge o seu cotidiano. Quando era só a batata-doce, tudo bem, mas agora a moda é a tapioca! Que desgraça, roubaram a tapioca da minha alimentação barata e não saudável.  Comprar fécula de mandioca virou fit. Maldição, meus amigos, maldição. 

Aliás, fécula de mandioca não! Goma, go-ma! Comida de cearense, comida diária, goma que você molha e peneira em casa e não essa coisa caríssima que já vem molhada, ensacada e que sequer fica resfriada nas prateleiras, quando você abre o pacote fica com um “cheiro de abafado e o calor já faz a coisa toda virar grude. Pois é, a tapioca subiu de status. Pior, o cuscuz também! Nada de tapioca com calabresa e bacon, carne seca com banana. Nada de uma farofa de cuscuz com ovos e muita manteiga. Agora tapioca é almoço, é cara e é servida com coisas verdes, sua farinha de milho, idem. Perdeu, playboy.

Mas ok, vamos lá continuar na prateleira. Vamos olhando, analisando, comprando, se alimentando e se lamentando até que chegamos nela, a rainha do momento, aquela que um saquinho minúsculo que deve conter uns trezentos gramas custa mais ou menos quinze reais. Imagino o que isso queira dizer: "compre essa farinha, fique sem dinheiro e emagreça por não ter como comprar outros alimentos". Não sei, provavelmente estou sendo jocoso e simplista demais, mas preciso deixar meu recado para essa estrela:

Querida Quinoa, não nos conhecemos pessoalmente, você para mim é igual caviar na música do Zeca Pagodinho, não sei suas propriedades, acho que continuarei sem saber, permanecerei apenas me relacionando com suas vizinhas linhaça e aveia, mas pelo seu preço, imagino que alguns grãos deem o poder da imortalidade, você deve ser realmente muito especial. Parabéns pelo valor e curta o tempo de fama, ele é efêmero, pois quando enquanto eu estava na fila do caixa vi uma capa dessas revistas femininas que dizia: “a nova erva, o chá de matcha acelera a queima de gordura em 40%”. Tremei, quinoa, tremei, quando sucumbir, por favor, leve minha goma junto. Oh vontade de comer uma tapioca!

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Não alimente o lobo

Diante das esparrelas neoconservadoras muito tem sido comentado sobre o protagonismo das (sub)celebridades como intelectuais orgânicos do irracionalismo. Nesse processo, a "rebeldia sem causa" de alguns roqueiros dos anos 80 é encarada com perplexidade e os contra-argumentos são postos com análises de mera ausência de inteligência. Não é isso.

Dizer, por exemplo, que Lobão é burro não correto. Ele é inteligente, criativo, talentoso. Talento não escolhe caráter, competência não brota por adesão política. A questão atual é outra.

Lobão já fez muita música boa, já proferiu palestras interessantíssimas nos anos noventa, já bradou muito pertinentemente sobre coisas diversas. Bradar, gritar, uivar virou o alimento dele e é aí que se encontra a questão. Para Lobão uivar é o que importa. Por trás de boas letras agressivas, um niilismo vulgar, um anarquismo vulgar, uma rebeldia desmedida e sem direção, há uma persona construída que sempre quis questionar supostos deuses... Por isso uivava ferozmente contra a bossa nova, João Gilberto, Caetano, o mainstream, etc. Por isso saltava de boas sacadas até frases debochadas, infelizes e sem nenhum critério. Por isso ia desde ao ataque criativo, corajoso e efetivo contra as gravadoras e toda a indústria cultural até a condescendência com as mesmas após provar que estava certo.

Lobão virou um personagem de si mesmo. Deixou de produzir música, passou a uivar somente. E sua metralhadora virou para Lula, o que ele deve julgar ser o suposto deus da vez, talvez o maior, para ele. Não é nada pessoal, nem sei se ele acredita em tudo que diz, talvez sim, talvez engane a si mesmo. Como não há critério, como não há lógica e como o caminho de mais adesão para esse uivo atual é a ignorância, o fascismo, a reprodução da herança da Casa Grande, Lobão passou a aderir à ditadura, a desdizer tudo que disse. Sua crítica não é à reprodução das mesmas contradições que o governo petista manteve, mas um discurso de pura e simplesmente fazer o coro com os reacionários, de repetir bravatas sobre um comunismo que nunca vai existir pelas mãos do PT.

Lobão virou somente uivo de contradições e incoerências. Afoga-se em frases tolas, alimenta-se de sua própria amargura e do eco que seu discurso ignorante pode ter. Não produz mais nada de relevante, não realiza nada de construtivo e caminha para o ostracismo. No fim, Lobão só quer ser notícia por ser liderança de um movimento patético, da luta do “sujo x mal lavado” que se consolida na política nacional. Lobão não é burro como muitos dizem, pode ser tolo, mas burro não.

Quem tem medo de Lobão? Quem é Lobão atualmente? Parem de falar sobre ele. Eu pararei aqui. Parem de compartilhar suas asneiras e parem de pedir para ele ir embora. Ele não vai, não iria mesmo e se fosse não resolveria o problema, pois ele continuaria a falar suas bobagens e vocês continuariam a respondê-lo, a compartilha-lo e a alimentá-lo nessa bad trip do seu fim de carreira: uma ilusória saga de um Dom Quixote que anda para trás, de um lobo que uiva mas não morde, de alguém que já tentou bater tanto em todo mundo que só atinge a si mesmo. Se esse personagem caricato ainda tem alguma relevância e aparenta qualquer seriedade, a culpa é mais nossa do que da sua própria insensatez.