segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Universidade

Na fábrica de trabalhadores
Não mais apaga dores
Não mais quadros e cores
Só moedores de humanos

Tem espremedor de anos
Tem um ralador de sonhos
Tem fermento de intempéries
Tem forno, lenha e esteira
Para produzir em série

Tem tempero de arrogância
Tem corantes de ganância
No discurso do produto
E na ferramenta do mestre
Tem doença e tem cobrança
Tem tremores e tributos
Carne fresca de doutores
Tem de tudo e tem de nada
Tem de pasto e tem de peste
Na sala dos roedores

Entra semestre e sai semestre
A fábrica trabalha dores

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Canteiro

Sempre há poesia
Nos peões do tabuleiro
Nos restos de uma janta
Nas dores de nossas juntas
Na sombra do pé-de-planta
Na lombra do pó da puta
Na obra e pá do pedreiro

Sempre há poesia
Dores, amores
Cantos, canteiros


Diário

Era eu o insone em meio a vibração do dia
O cansaço anunciado desde a madrugada
A fome que devorava tudo ao meio-dia
A angustia de uma tarde e seus tristonhos nadas

Era eu os minutos de desejo
Quando lembrei os versos da poetisa
No meio do congestionamento já tão esperado

Era eu o desespero e o mais sertanejo
Esperando em vão por uma brisa
Na noite seca e tediosa em meio ao cerrado

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Espera

Carrego em meu bornó
O otimismo da baladeira
O pessimismo das pedras
E a realidade
De quem não caça só

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Arapuca

Assim ou achado
Em Exu ou Assaré
Há sins, xaxados
Afins, afagos
Oxente
Assum
Axé

sábado, 18 de novembro de 2017

Maldito

Dormi pesadelos
Acordei temores
Engoli choro
Vomitei mágoas
Não defequei borboletas

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Acordo

A água gelada, porém, incolor
Caprichosamente se disfarça de carrasco
Enquanto a sede seca, mas silenciosa
Aceita e se finge de morta

Sono leve, breve distância
E o retorno mais forte
O público árido e sedento
Pede o baião lacônico, mas suculento
No balançar caprichoso do frio e do calor

O espetáculo recomeça
Regado por pingos de satisfação

E goles de acordo de paz

sábado, 11 de novembro de 2017

Café-com-leite

Fomento da massa
Fermento da papa
Farinha de tranca
Trigo requentado
Troco rebuscado
Trupe sacripanta
Sobe a fumaça
Do pão na chapa
Branca

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Ao editor

Caro editor que nunca tive
Estive pensando
E desisti do livro
Não quero ser lido
Pelo que não quero falar
Pelo que não sei anotar
E pelo o que querem os ouvidos
Não quero ser lido
Em retângulos repetidos

Editor caro
Desisti do livro
Serei um desses poetas vivos
Que usa como conforto
A ilusão que será lido
Depois de morto
Torto rescaldo
Poeta medíocre
Com medo do resultado

Quisera declamado
Foste reclamado
Quisera aclamado
Sobrou-me inflamado
Caro editor
Desisti do sonho
Desisti do quadro
Não sou competente para ser
Enquadrado

Não sirvo para o papel
De escritor
Não falo como um
Não visto como um
Não atuo como um
Não vejo como outro
Autor
Não sirvo para o papel
Que estou

Desisto
Edito pelo não dito
Existo pelo não cisto
Não quero ser lido
Por escrever colorido

Caro editor de texto
Que como pretexto
Digito
Desisti do livro
Agora quero o livre
Mais do que o escrito

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Túrbido

Deslocado
Descolado
No colo
Do outro
Lado

Meandros

Esteio no ninho
Estranho na nau

Farofa de conceitos
Farelo de fatos
Concerto de notas
Conserto denota
Coberto de gastos

No ninho de estranhos
Na nau, o esteio

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Contracorrente

Ela e ela
Ele e ele
Laço e elo

Corre rente
Rua, relo
Violeta
Violento
Foice e martelo

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Decepção

​Reneguei o bom-mocismo
Fragilizei a imagem do anti-herói
Desconcertei a expectativa do prodígio
Decepcionei os ruídos sobre a genialidade
Sobrou-me humano
Tenso
Quebradiço
Autêntico

Ao menos
Tento

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Tato

À flor do pelo
Ao por do prelo 
Apelo ao gelo
Pele, polo, pulo
Surra, sola, selo
Cela, sê-lo
Selo

Penitência

Que hora são?
Aponta o ponteiro
E aquele ponto 
De interrogação 
Bate o ponto 
E o desespero 
Carrega a cruz 
Os pregos e o cheiro 
De sua missão 

Reza o terço 
Não ganha um quarto 
Quando não farto 
Quebra o martelo
Motor e chinelos 
A fé e as marchas 
E sem calmaria 
Reza a desgraça 

Ave maria! 
Cheio de graxa... 

Espertina

Uma hora e cinquenta e seis minutos 
Os números por extenso 
Atravessam em claro 
A madrugada 
Escura 

terça-feira, 5 de setembro de 2017

A marca

Tudo que é só 
Lido 
Dez manchas 
Noir 

domingo, 3 de setembro de 2017

Dívida

Com as penas de Ícaro
Colori de vermelho
E maculei o papel
Com a flecha de Aquiles
Marquei meus passos e versos
Com as gotas que escorreram
No chão que rastejaria
Com a amiga de Eva
Arranquei peles das estrofes
Conheci as dores e os aromas
E saldei minhas angustias

Nem sempre cobra é serpente
Tem dias que é verbo
Dormente

Abril

Mastigando saudades
Sorrindo passados
Ouvindo Terral
Saudando o novo
Passando risadas
Aterrando sons

Longe de tudo
Navega o sertão
E plantam-se mares
Em meus ouvidos

No céu da boca
A sede que canta
Um silêncio cortante
E a dura certeza
De que as velas do Mucuripe
Não vão sair para pescar

Relativo

Lasco o tempo
Com o machado do espaço
Veloz e afiado
Arremato horas
Transformo em minutos
E polvilho meu quarto
De lembranças
E futuros

Trajeto

No meio-fio
Tudo fica
Até as pegadas
Dos passantes

Na estrada
Tudo passa
Menos o chão
E a poeira
Do que é breve

Clínica

O doido beato
Varrido
Ferrado
Não rasga dinheiro
Abençoado

O louco gaiato
Mole
Amolecado
Não bebe o gás
Pois é arriscado

O maluco da rua
Que o olho dilata
Delata e flutua
Mas não joga a pedra
Na lua

sábado, 2 de setembro de 2017

Banal

Não enxergando saídas
Só viam paredes
Naquele deserto

Sem condições de mergulho
Chamaram de onda
O oceano

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Cultivo

Ases do mundo
Rosas com asas
Raízes rasas
No chão fecundo

Versos curtos
Aos sentimentos
Profundos

Fagulha

A casca
O casco
O oco
O álcool
A fama
O fumo
A soma
O sumo
O fogo
A fuga
O afago
O jorro
A zorra
O jarro
A fada
Afunda
A foda

Goza
Agoniza
Um brasa
Outro brisa

domingo, 27 de agosto de 2017

Marte

Vinho tinto
Tanque de guerra
Taça e tosse
Lua e mangue
Gole e sangue
Bala e berra
Vai até Vênus 
Fogo na Terra 

Pulsão

 Quando sol
Solo
Quando sal
Saio
Quando céu 
Cio
Quando sul
Subo
Quando norte
Nutro
Quando Nilo
Nero 
Quando mais
Mero
Menos quando 
Quero 

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Cassino

Chutei os paus
Nos barracos 
Cuspi no ouro
Na Copa
Quebrei as espadas 
Dos valetes
No xadrez 
Destronei o rei
Na dama
Virei confete

Quatro naipes 
Num jogo de quinta
O caralho a quatro 
No quinto 
Dos infernos

domingo, 20 de agosto de 2017

Juventude

Tenso
Casco 
Penso 
Brinquedo de argila
Lenço
Cisco
Soco
Seco
Brinco
Bebo
Caldo de bila
Salto
Solo
Fila
Colo
Bola de grude
Crise 
Coiso
Deito
Durmo
Jogo que ilude 

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A casca

Apelo à pele
Cena sem cerne 
Sonho sem sono 
Vermes 
Na Epiderme 

Danos e donos 

Sem-vergonha

Um poema deflorado
Perdeu a flor e a pureza
Para então ser declamado

Para instigar a beleza

Verso desavergonhado 

Recorrência

Toda segunda 
A saudade do domingo
Todo segundo
O desespero da chegada do minuto perdido 
Toda minuta 
Tudo aquilo que é permitido e não mais se escuta 

Todo primeiro
Dia do mês sendo miragem e esperança 
Toda primeira
Vez no dia que minha alma reluta e cansa 

Sobre o ofício de transformar ódio em poesia

Saca a arma
Ressaca
Para a bala
Repara
Quita a briga
Desquita
Cara a cara
Encara

Tira o tiro
Retira 
Põe em letras 
Compõe 
Lira toca 
Delira 
Fixa a lírica 
Prefixa 
 

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O inquilino do não-lugar

Especialista em nada
Indigno até pra sarjeta
Sem o boné e sem a farda
Sem dançar tango nem lambada
Não é anjo e nem capeta
Sem a bandeira hasteada
Sem a testa endereçada
Sem torcida organizada
Dispensado dos caretas
Gandula das mãos fechadas

terça-feira, 4 de julho de 2017

O Rastro

Quando deram asas à cobra
Ela permaneceu rastejando
Prova que não há pior veneno
Que aquela mediocridade

Roídos

A ratazana
Roeu
O ralo
Do réu
Da rima

E na ratoeira
Ruídos por cima

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Batendo ponto

Da cor de burro quando foge
Afogado pelo barulho
Pelo ditado errado
Pelo erro ditado
Pelos carros e pelo asfalto
Disfarço o desespero
Com essa minha cara de domingo à noite

Anamnese no bar da esquina

Paladar de guarda-chuva
Língua afiada
Calo na voz
Dor de cotovelo
Frio na barriga
Coração amargo

Não há remédio
Para o estrago

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Contrassenso

Há quem prefira a pedra
Quem despreze a flor
E valorize o espinho
Há quem goste da gaiola
Mais que do passarinho

Há quem escreva poema
Para recitá-lo sozinho

Lente

Faço jus
Nada muda
Foco e fito

Olhos nus
Que desnudam
O espírito

sábado, 17 de junho de 2017

Ficcional

Pelas letras entrelaçadas
E os verbos conjugados
Pulsão lírica
Pressão cítrica
No terreno fértil
Da liberdade possível

Erótica

Os mares do não-dito
E a fúria de suas ondas
Rondam
A delicada pele
Os sedutores pelos
Os lábios e batom vermelho
E os corajosos pés descalços
Dançando por cima dos de Eros

Espionando pelo espelho
Apenas quero

Métrica

Peço
Na harmonia do poema que eu lanço
Meço

Danço
Na melodia do subtexto de seu verso
Manso

Absolvição

Dias escuros
Noites em claro
Tardes secas e quentes

Ora é
Ora essa
Que horas são?

Falava e relutava
Deixando-me em confusão


E nesse vai-não-vai
No morde-e-assopra
Na briga do medo com o desejo
Despidos de tudo
O fogo queimou qualquer culpa

Abracei-a
Libertamo-nos juntos
Para sempre juntos
Para nunca mais

Era domingo

Ela me falou de um bule vermelho
E do óculos de mergulho
E do desejo de trazer tudo em sua mala
Eu que há muito já havia abandonado a minha
Lia suas mensagens com a única certeza
De que já carregava a dela em mim

terça-feira, 13 de junho de 2017

Elis

Bem que me faz
Bem que te quis
Flores e paz
Versos e bis
Bem que me traz
Gosto de anis
Tons de lilás
Riscos de giz

Vem e me faz
Feliz

SP I

Um homem dorme
Sob o sol
Uma mulher grita
Para vender
Uma garota sorri
Para o colega
O motorista canta
Do lado de lá do parabrisa
Rente ao poste
O pedestre atropela
O pé do porteiro
O tempo corre por baixo
Do verde da cidade cinza
Na esquina mais famosa do Brasil
Dois jovens aparecem
E o concreto testemunha
Um beijo de saudação
Enquanto tudo isso acontece
Eu observo e penso
Oh vontade de cagar

SP II

Massagem no ego
Um boquete com dentes
Omelete de almas
Um chute nos ovos
São Paulo
Não é
Meu país

SP III

Essa cidade
Não é meu país
Mas meu país
Está por toda cidade
E para isso
Esse infinito
É pequeno
Demais

SP IV

Mano
Mona
Mina
Mono
Minha
Nano
Nona
Nina
Nono
Ninha(ria)
Pano ponho
Sono, sonho
Sina(zinha)
Anda sozinha

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Fases

Se conheceram na crescente
O beijo, na lua cheia
Se casaram na minguante
E separaram quando nova
Lua de mel
Uma ova

Sala de Jantar

De esgoto é o perfume
Que entra pelas narinas
Intervalo
Comercial de margarina

Um suco gástrico na taça
Um gole, um tapa, um mapa
Um brinde de pontas de facas
Uma colherada de estrume
Pintem as paredes de cinza
Apaguem certezas, cigarros
Vagabundos, vaga-lumes

Sabor ranzinza
Doce de barro
Ode aos bons costumes

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Indigesto

Enquanto mastigam os fígados
Cospem esquemas
E engolem as tréguas
Vou vomitando poemas
Em quem caga as regras

terça-feira, 30 de maio de 2017

Unção

Um faleceu
Passou-se um mês
E ninguém notou
Posto que era obsoleto

Outro faleceu
Passou-se um mês
E ninguém notou
Posto que era imortal

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Novela

Um verso lento
Vai oposto
Violento
Opulento
Fala aposto
Falocêntrico

Sobe os créditos
Sob os aplausos
Sobre a história
Mal contada

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Repressão

Não falha e nem tarda
Servir e proteger? 
Conto de farda 

domingo, 21 de maio de 2017

Surto

Fora de si
Dentro das dores do mundo
Inteiro 

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Qualis A

Meu relatório tem papers
Onde canta o Qualis A
O cão que aqui me lattes
Vê caravana passar

Preparo com precisão
A coisa pra publicar
Tô cansado de ouvir não
Eu tenho que já ser tão
Eu venho da revisão
E posso lhe agradar

Vou-me embora pra Pesquisa
Lá vou babar a Rainha
Com a coleta da pós
Ranqueada e bem sozinha

Seu dotô me dê licença
Pra minha história contar
Sou bolsista de programa
Meu prazo vai estourar

Ê laiá
Estudar
Ê Capestrela!
Vou artigar!

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Jaguaretama

Enquanto chamas
Chama chuva
Ama lama
Lava luva
Geme e gama
Louva e teme
Toma e clama

domingo, 14 de maio de 2017

Na cidade grande

"Lá no meu interior"
É se assim que nos referimos
A nossa cidade natal
Quando contamos uma história

Talvez seja porque
Ainda que minúscula
E muito distante
Ela continua viva e próxima
Dentro da gente

sábado, 13 de maio de 2017

Nordestinense

Onde já se viu
Assinar poesia com Wescley
Tendo um Paulo
Maia Pinheiro
Para assim o fazer
Pense num cabra
Astucioso
Que nome mais horroroso!

É W, é Y,
É puro vira-latismo?
É capacho e despacho
Do imperialismo?
É letra pra todo lado
É coisa de sertanejo ignorante
E ignorado?
Wescley, poeta?
Mas essa hora?
Mas ora essa!

A arte é uma coisa nobre
Poesia se faz com classe
Não suporta nome de pobre
Que nome mais indiscreto
Wescley, cearense?
Tem segundo grau completo?

Tem,
Mas poderia não ter
És porteiro?
Não,
Mas poderia ser

Como tantos outros
Nordestinamente
Sobrevivendo
Carregando nas costas
E no sotaque
As estrofes e as catástrofes
Da língua portuguesa
E da íngua geográfica
Luso-brasileira

Com W, com Y
Ultrajando com o árido verso
O poema límpido
Do mapa do Brasil
Rompendo cercas
Desafiando a seca
Patativamente
Vaiando o sol
Amolecando-se
Ataiando as dores
Mangando dos opressores

Sou W e Y
Sou mar e rio
Reza e cachaça
Mandacaru e jangada
Misturo nome de pai e mãe
Serra e sertão
Sanfona e alfaia
Mato minha sede
De sangue, suor e água

Não faço piada
Eu faço rir
Não derramo lágrimas
Eu faço rima

Poesia se faz com a Classe
Paulo Pinheiro, para quê?
Se mais que poeta nordestino
Quero ser nordestino-poeta
Como tantos outros
Que faz arte com a vida
E da vida a arte
De resistir

Wescley.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Partida

Se na luta de classes não há empate
Jogar no campo adversário
E com as regras do inimigo
É mais que correr perigo
É sempre perder o combate

Desde o grito da claque
No jogo dos explorados
Mais que virada de mesa
A melhor defesa
É o ataque

terça-feira, 9 de maio de 2017

Maré

A lua
E o espírito aluado
O mar
E os olhos marejados
A areia
E o corpo areado

Na cabeça do sertanejo
É maré pra todo lado

A Sombra

Acolhida
Aceitada
Açoita
Acertadamente
Orquestrada

Obsessiva
Obcecada
Observa
Obtusamente
Assombrada

Amargura

É amargo
O tempero do tempo
Vai polvilhando mensagens
Ligações e encontros
Desbotando amizades
E apagando lembranças

Os novos sabores são ralos
No tempo de trabalho
O gosto do abraço
É temporário
O programa de fim de tarde
É solitário
E o encontro prosaico
Quase protocolar
A data comemorativa
A hora marcada de confraternizar

O condimento dos meses
E anos e décadas
Transformam convites
Em informes
Planos em desistências
Desejos em condescendência
E a pretensão despretensiosa de ágape
Uma refeição qualquer

É amargo
O tempero do tempo
Para a vida adulta
Resta o franzir da testa
E engolir em seco
Chamam isso de amadurecimento
Eu chamo de apodrecer

Lábios

Recito versos
Em teu corpo
Cada estrofe
Um suspiro
Cada tiro
Um que susta
Tara, tiro, miro
Casto
Costa
Casta
Custa

Exaustão

É oficial, estou cansado
Passou da hora de cortar
Um dobrado
Um chopp em dobro
Seu garçom, eu lhe pago!
Quero deitar e sossegar
Meu riscado
Meu verso arisco
Que corre o risco
Colado
De colorido passou a ser
Desbotado
Então botei
Minha viola no saco
Sacolejei meu coração
Malfadado
E não compus a aquele meu
Triste fado
Me enfadei
No feno e fui
Bem ferrado
Cantar bem longe
Desse canto e do fardo
Decantado

quarta-feira, 3 de maio de 2017

No quarto escuro

Tempo torto
Quase espumo
Espero
Espasmo
Afoito
Paro
Prumo

Coito
Canto
Cato
Janto
Acato
Jeito
Leito
Canso
Jato


Interno

Acamado
Comido
Ido
Doído
Doado

Doido
Acalmado
Alma e cal
Mal armado

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Vingança

Sumo e fato
Fica e fura
Soma e fome
Seja qual temperatura
Para o ato
E para o homem
A vingança é um prato
Que se come

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Dissimulando

Emulou dissidência
Disse-me-disse
Beira a burrice
Na eloquência
Loucura e ação
Burra esmurra
Murmurou que não
Encena e ensina
Sina de cão
Cinismo insiste
Insinuação
Silenciou
Falou-e-disse

Disse
Mulas
São

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Encolhendo

Colher
Acolher
Escolher
Onde não houve plantação
O que nunca foi nosso
O que não é opção

Pequeno drama de um sábado a noite no facebook

Vinte e seis de abril de dois mil e quatorze
Em Miracema do Tocantins
Está tendo um aniversário
É bem aqui do lado
Ouço música gospel em alto volume vindo de lá
O Além me persegue
Aí falta energia
Aí eu pego o celular e vou acender uma vela
Aí eu acendo a vela
Aí a energia volta,
O que eu sou sem meu deus?
Eu procuro o celular pela casa toda
Não sei onde o coloquei
Eu não preciso do celular, mas vai que precise!
Virou questão de honra achá-lo.
Procuro em vão, não faço ideia de onde está
E ele deve está no silencioso
A música do aniversário volta
Glória ao senhor!
É sábado a noite
Estou sozinho com a cachorra
E preciso estudar
Preciso muito
Eis o mistério da fé
Isso não é uma poesia.

XY

Sexo
Fixo
Nexo
Lixo
Nicho
Bicho
Léxico

Crucifixo
Complexo

terça-feira, 25 de abril de 2017

Compondo

Hãos e vias
Ais e ãos
Lenços e violas
Violência e gaiolas
Goela e violão

Sagrado

Pelo vinho
E pelo pão
Vê-lo pinho
Pelo vão

Farsa

A carne é fosca
O corno é fraco
A anca é fresca
O frasco é casco
Franco certame
Fino escárnio

Limbo

Entre o
Cult-bacanismo-
pós-moderno-diferentista,
o
Mais-raso-senso-comum-
reprodutor-do-status-quo,
a
Eloquência-vazia-
auto-afirmativa-
ensandecida-por-problematização,
o
silêncio-dos-inocentes-isentos-
cheios-de-boa-intenção
o
Militantismo-pseudo-ortodoxo-
cheio-de-razão
O choque
O achaque
O lacre
O like
A lacração




Sigo

Traço furos
Furo traços
Amando o presente
Odiando passados
O medo
O modo
O mundo
Marcado

Gosto

Em volta
Da vulva
Solto, salto
Língua lúmia
Corte, curva
Lambe lábios
Sobe sábios
Tantra, turva
Chama
Chuva
Em volta
Da vulva

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Palmas

Hétero
Norma
Ativo


Cis
Tema
Pátria
Caos

Pau
Mais
Pau
Ao
Pau
Mas
Pau

Palmas
Más
Ao mal

domingo, 23 de abril de 2017

A artesã

Amarrou versos
Laceou estrofes
Costurou sentimentos
Enfeitou-se de lirismo

Amou o poeta
Vestiu-se de poesia

Cúmplice

Versão e contravenção
Pirando e respirando
Tornando e retornando
Sonho, seio, subversão
O porre, a pira e o pires
Que foge, que fogo, que finge
Na palma de minha mão

Regresso

O bando
Abandonou
A bandeira

Hasteia
Teu pano
De meia

Bandeia
Teu sono
Na teia

Ao meio
O mastro
Atoa

Atua
A banda
Que soa

E bane
O barulho
Da rua

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Rafael Braga

Mais um
Menos um
Que tem cor
Que tem classe
Que não tem crime algum
Mas que tem prisão
Assim como tantos é
Tantos assim como são
Sobrou para os que sempre restam
Restou para os que sempre sobram
Menos ou mais como um ninguém
Mais-ou-menos como um nenhum
Mais um
Menos um

quarta-feira, 12 de abril de 2017

O galã

Cantando de galo
Cantadas e talos
Gola em V
Chinelos e calos
Textão e textículo
Viril, porém sensível
Amor? O líquido
Acumulação flexível

No palco, o tom professoral
Onipotente e sempre a mil
Orbitando seu próprio pau
Colecionando troféus
Na cama de um mausoléu
Diferentemente igual

domingo, 9 de abril de 2017

Distrações

Comparações
Composições
Competições
De passados
Sem sentido
E em vão

Redenção

Arredia
Arrodeou o dia
Adiantou a hora
Para deitar em meu peito
E então peitar a vida
Que agora amanhecida
Nunca mais seria a mesma

Onírico

E se teu pesadelo for prenúncio
De um desejo disfarçado de medo
Deste erro
Do desterro
De uma penitência onírica
De uma profecia maldita
Sustentada num cordão
De um escapulário
Imaginário
E pagão

Os números

Um a um
Foram sumindo
Dois ou três
Ainda davam notícias
E relembravam taciturnos
Quatro ou cinco causos de lá
Enquanto a lista daquela música
Não preenchia com tinta
Nem seis linhas do papel

quinta-feira, 6 de abril de 2017

O pedido

Dai-me teu segredo
Farei dele meu erro
Vou transformá-lo em pedra
E carregar em minhas costas

Dai-me tua dúvida
Farei dela meu espelho
Que quebrarei ao me olhar
E mastigarei os estilhaços de mim

Dai-me teu intenso passado
Farei dele meu relógio
Que trabalhará atrasado
Procurando o futuro
Onde não há

Sorte

No jogo de dardos
Sou o alvo
Esperando que tudo
Dê errado

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Alucinação

Lebre nervosa
Delirío breve
Corre chorosa
Trocando gato
Por febre

Aparto

Os cadarços entrelaçados
Sujos, velhos e necessários
Envolveram aqueles pés
Mas não as suas pegadas
Pisadas em calo de sangue
Escondidas pelos solados
Que repletos de desenhos gastos
Guardavam formas geométricas
E conteúdos impublicáveis

Aperto

A lembrança do que não vi
A visão do que não aconteceu
O que aconteceu e eu não sei
O que eu sei e não queria saber
O que não queria saber e ainda lembro

Noite, trinta e um de dezembro

Coisas que eu nunca pude

Me gabar na juventude
Mandar ou receber um nude
Ficar sem rima amiúde
Ser colecionador de virtude
Livrar-me de ser um grude
Fugir da tal solitude
Ser um macho em amplitude
Ou humano que não se ilude
Beber água do açude
Vencer na bola de gude
Não ter uma cara rude

E sempre ao ouvir espirros
Conseguir não dizer: saúde

Poeira

Bagaço
Farelo
Tudo traço
No rastro do meu chinelo

Flagelo
Amasso
Nada zelo
Nas letras do meu cansaço

terça-feira, 4 de abril de 2017

Anti-musa

Rasgou o papel
Pulou fora do texto
Mas que ser história
Fez história

Componho

Com uma arma na mão
Mirando fantasmas enquanto corro
Atiro palavras no chão
Como num pedido de socorro

Se vira ato
Mato
Se vira poema
Morro

Maquiagem

Um idiota
Daqueles clássicos!
Passivo-agressivo
Dissimulado
Sem auto-estima
Viciado em autoflagelação

Esparadrapo na boca
Curativos no coração
Hora de ser duro
De fingir certeza
De atuar coragem
Hora da maquiagem
No idiota do espelho

Acidente

Coberta de costuras
A pele duvidava até da água
Que a acalentava sem cessar

As cicatrizes são máscaras
Das dores já falecidas
E dos cortes em potência
No jogo do imponderável

Fracasso

Quis os versos como quiseram
Para ser quadro
Para ser canto
Para ser cantada

Quis as estrofes como faziam
Para ser discurso
Concurso
Percurso

Quis seus poemas para o ego
Para o cego
Para o lego
Valores que não carrego

Mas só sabia ser fácil
frágil
Frígido
E foice

Mantra

Frágil
Quisera ágil
Agindo como
Roberto Baggio

Chutando pra fora
Na hora H

Dissonia

Num piscar de olhos
Os medos do passado e do futuro
Massageiam o peito
Exalando o aroma da angústia
Uma explosão de pesadelos
Sob o signo do sossego

terça-feira, 28 de março de 2017

Quadro crônico

Visão seletiva e cegueira funcional
Labirintite ética e ideológica
Síncope de ocasião
Espasmos de moralismo conveniente
Surtos de radicalismo intercalados por longos períodos de condescendência
Esquizofrenia do discurso incoerente
Depedência em instrumentalização de pautas
Febres delirantes de achismo
Prurido intermitente de vaidade
Perda do senso do ridículo
Vômitos agudos de carreirismo
Infecção generalizada de fofoquismo
Formação de hérnias de rancor
Espírito poluído, cor: barro-barbárie

quinta-feira, 23 de março de 2017

Desumano

Vivemos no espaço-tempo
Onde nem o riso é inocente
Nem o choro é de verdade
Nem o ódio é consciente
Onde o amor é competição
Vivemos no espaço-tempo
Onde o desafio não é ser ético
É manter-se ético
Apesar de tudo

quinta-feira, 16 de março de 2017

No poste sem luz

Propaganda de hidratante
Propostas
Hidrante
Hidróxido de vogais
E consoantes

terça-feira, 14 de março de 2017

Obsolescência

Cavalo dado
Dentes cravados
Quem compra é desdenhado
Por aquilo
Que é comprado

sábado, 11 de março de 2017

Fôlego

Quanto tu amares
Mergulhando-se em alguém
Descobrirás sem ar
Que há mares
Que vem para o bem

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Ditado Popular

De questão pessoal
Em questão pessoal
A questão política
Enche o saco

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Boa nova

Entre metais e microchips
Telas e hidrocarbonetos
O tecido que encanta
Costura-se em matéria e som
Como o ronco das alfaias
Como a batida no couro
Lembrando que o coração
É o instrumento que anuncia
O ritmo da alegria
E a música da vida
Que embora eu não saiba tocar
Hoje eu posso sentir

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Ansiedade

O que sugere meu peito
E meu jeito de criança
Espectro que voa e avança
Que soa e não amansa

O que sugere meu jeito
E meu peito que se lança
Desespera  e desaspera
Quem espera sempre
Ânsia

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Alma

No realismo dos laços
Entrelaçado de sentidos
Tuas, tudo, traços

Mente

No otimismo das linhas
Um nevoeiro de sonhos
Lutas, listas, minhas

Face

No pessimismo dos nós
Um meme compartilhado:
Fosco, forca e foz

Prefixo

Se jogue
E jogue
Vença
Não responda
Convença
Não corresponda
Trague
E não se entregue
Vá pro diabo que o carregue

Na inquisição (pós) moderna
Um verso orna
O outro, hérnia
Vive querendo passar a perna
Negando tudo que herda
Perfeita performatividade
Pintando-se de novidade
Na mesma merda