quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O silêncio e o barulho na dança do real

Existe a realidade. Inexorável, objetiva, concreta, ela existe complexa, cheia de determinações, se expressando no cotidiano irremediavelmente heterogêneo, imediato, fragmentado, insuprimível. A realidade se esconde e se revela sorrateira, surge com vendas em nossos olhos, nos permitindo conhece-la parcialmente por nossas experiências. Ela se manifesta caleidoscópica, cumprindo suas armadilhas de sugerir-se inteira a partir das vivências particulares.

Entre um ser humano inteiro e o inteiramente humano vamos dançando o baile entre cotidiano e realidade. Permanecemos passeando pelo que nos salta aos olhos, comumente sem conseguir ultrapassar o alcance da nossa visão, ainda com esforço, mesmo que pintemos esse espetáculo com os sentidos que queremos. A tarefa não é simples.

Buscando superar o cotidiano há quem acredite não haver o real, embora ele esteja lá, há quem acredite que o real é aquilo vive, apenas aquilo, ou que é possível somente por ali conhecer todas as mediações que o constituem. Há também quem molde um real amplo para o seu particular, quem mergulhe nas buscas profundas, mas se afogue apenas em seu próprio ar.

Diante desses desafios tudo tende a ser reduzido ao binômio causa-consequência ou à falácia da impossibilidade. Criam-se mitos para dar sentido às percepções, referendam-se crenças nas mudanças singulares ou nas respostas microscópicas ou supostamente amplas. Por outro lado, se confunde universalidade com totalidade, jogam as apostas nas mudanças de sentido e significado, blefam na dinâmica da imediaticidade rivalizando, fulanizando, umbiguizando as coisas. Mas a realidade existe.

A realidade é estranhada, alienada, coisificada. Não há fórmulas emancipatórias de superação e construção de outra realidade que não busque os elementos concretos.  A dança travestida de elementos emancipatórios apoia-se nas performances, nos meandros particulares, na percepção urgente, real, mas parcial. 

Há muito o que se enxergar. Lançar um olhar sobre o real, sem uma lente profunda, crítica e irremediavelmente difícil torna aquilo apenas mais um olhar. Poderá fazer dormir mais tranquilo, ainda que seja o mesmo espectro da vaidade, do individualismo, da mistificação das determinações, agora maquiada de emancipação. Poderá fazer se sentir orgulhoso pela sua parte num todo, cumprindo o jogo das peças de um tabuleiro viciado e só. O teatro do real largo, cheio de vieses, mas apropriado, envolto do discurso de autoridade é apenas mais uma nuance.

Nesse jogo, nessa dança, nesses olhares, a busca pela trajetória mais difícil tem sucumbido, perdido ressonância, vivido um descompasso, se perdido nos descaminhos dos caminhos ainda que difíceis e duros, muito mais triviais. O temor é que não haja mais tempo nem espaço para se aprofundar. Que seja realmente o espetáculo do maniqueísmo, da dieta da consciência aparentemente revolucionária, temperada com o hedonismo, com as tintas e cores tão vivas e verossímeis, mas perecíveis... o temor é que seja isso tudo nosso espectro do tão pouco.

No paradoxo do visível, das esparrelas contemporâneas, falar junto sem ter o que dizer é o mesmo que falar sozinho, encontrar substância, mas não compartilhar.  Talvez o parlatório esteja cheio de mesmices distintas e lotado de ausências necessárias. Talvez esse número musical desafine, talvez ele acabe, talvez não. E a dança segue, mesmo que não a conheçamos, mesmo que não a reconheçamos. A dança segue na música do silêncio e do barulho vazio.

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