segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Ateu Errante



Ele estava ali mas parecia só mais um apetrecho do cenário que se edificava na brisa noturna. Eram as gotas que mais chamavam atenção. Era o cair das letras das folhas das árvores, descendo caprichosamente, para os pés daquele homem sem face, que tinha em suas vestes um chapéu de pescador, uma calça jeans surrada e uma camiseta rota de cor branca, feita algodão, cheia de fiapos nas mangas. Estava descalço.


Eram as goteiras, se espalhando, perfazendo o mundo e resolvendo zombá-lo, enquanto ele colaborava com o ato e caminhava soturno pelas alvissareiras madrugadas, com sua mochila nas costas e um pincel na mão esquerda em que fabricava palavras e as lançava para o sereno que o observava, sorrateiro e choroso, num silêncio de ambos, em acordo de paz.


Sabiamente escondeu-se em um pseudônimo que habitava uma terra distante, cheia de fantasmas que ele nunca pode ver, repleta de monstros que nunca acreditou e onde habitavam fadas, vampiros e sereias muito mais reais que os pedregulhos em que pisava.


Mesmo que não tivesse fé, mesmo que não enraizasse seus sentimentos, a semente de sua descrença se perpetuava numa crença material da certeza de que o espírito não é sobrenatural, mas sim uma energia faminta por um saboroso pão vistoso e escuro, amassado em tinta azul, riscado, enrolado num papel. Escritos no céu, no chão e no mar, sem assinaturas, mas com sua marca.


Tudo curto, grosso, pouco lapidado sem pretensões, nem apegos maiores do que si. Seu pão, sua forma, seu cozer não tinha um tema, mas se houvesse poderia ser sobre as dores do cotidiano submersas no âmago de qualquer peito humano. Mas não era somente isso. Em seus descaminhos havia também a beleza, a angustia, a alegria e as pedras nos meios dos poemas com seus mundos e suas injustiças, os sonhos e suas utopias.


Sob a companhia do orvalho, que molhava seu corpo e continuava seu percurso nos fiapos da camiseta, ele descarregava textos livres, orações, divagações fictícias sobre o nada, exorcismo intelectual sobre o tudo. Passagens, olhares, percepções diferentes, sobre coisas diferentes.


Eram colheitas, eram receitas, era vislumbre. Uma farsa, um segredo, um constante caminhar. Recortes desse caminho errante, perdido, fantasioso e real. Historias sobre os outros, sobre si e sobre ninguém. Máscaras, delírios, fugas, lutas, todas numa não-fé, num descaminho, num texto tortuoso, laminado.


Escritos pendurados,  palavras em corda bamba, frases por um fio.



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