terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Parto


Escrever deveria ser admirável. Não essa admiração de fora para dentro tão propagada no mercado das sensações. Falo da admiração de dentro para fora, refiro-me à satisfação por si só, ao deleite incidente.

Não, escrever não é sexo, é parto. Não é prazer, é sacrifício. É a incongruência de nossas almas atormentadas sendo postas à prova, nos obrigando a pensar e expulsar quaisquer coisas que sejam da gente. É a prova da racionalidade e da possibilidade de transformação ao colocar em um papel aquilo que só existia em nós. Vejam que metafísico!

Gozo e depressão, tragédia e farsa, parto.  Escrever deveria ser admirável, deveria ser sublime, mas ao colidirmos com nossos relatos e nos deparamos com a obviedade de nossa produção, com o difícil e doloroso percurso da légua tirana da mente até a ponta do lápis, percebemos que o que está escrito não é digno de todo esse ritual, de que o espírito é mais prolixo que nossas mãos.

Não temos técnica, mas isso é o menor dos problemas. Assustamo-nos mesmo quando nos descobrimos com a incapacidade adquirida na dureza do cotidiano. Ficamos putos ao sermos incompetentes na missão de transformar as emoções em palavras, pois petrificamos os nossos peitos, quantificamos todas as sensações e sentimentos e somos inaptos a fazermos o caminho inverso.

Escrever é fado, é peso, é parto. Pior, apesar disso é impreciso, inevitável, necessário. No mundo imagético, rápido, fugaz, fluido, escrever é aquela moda que não tem mais valor de troca, é o exercício mais temido da obesidade mórbida cerebral. É a atividade mais próxima de nós mesmos, por isso desejamos rechaçá-la.

Transcrevemos relatórios, artigos, resenhas, receitas, mas não somos capazes de inventar. Ficamos pasmados ao conjecturarmos a possibilidade de mente e coração se acharem no papel, duas linhas paralelas se encontrando no infinito.

 Escrever é criação, transformação, desprendimento, parto.

Escrever dói.


Wescley Pinheiro.

3 comentários:

  1. Texto legal....

    Quando nos deparamos com o desafio de escrever, criar, a angústia vem, num sentimento de estímulo e desistímulo simultâneos... comigo é assim...ehehe

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  2. É desses que eu gosto.Chegou devagar e ainda avisou:"mais poesia,menos flores..."
    Denso,tenso e vivo.Este "escrito",como o autor mesmo denominou,pulsa;atual e visceral.É o espinho que faltava na carne,para que desperte.
    Cida Valle.

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  3. É isso.
    Uma vez escrito, apresentado ao mundo, o texto vai seguir por caminhos próprios e muito pouco se pode fazer sobre isso; as palavras como filhas é a analogia perfeita: são igualmente amadas, cuidadas, empregadas, mas o que nos trarão de volta é, sempre, um mistério.
    Escrever dói, sem dúvida; quando o fazemos com a entrega e respeito que cada frase merece.

    Parabéns pelo seu espaço.
    Abraços!

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