sábado, 7 de maio de 2011

Terceiro Ato - Marco Zero


Voltando ao salão principal, escorou-se discretamente na parede oposta à grande janela que dava para a praça. Observou a pequena multidão ao redor da mesa, admirou o aparente estado de felicidade de todos e fincou seu caprichoso olhar para fora dali, onde um sujeito maltrapilho tocava violão num banco debaixo de uma antiga árvore.

Mais uma vez estava presente em si a angustia de focar-se sempre nos fragmentos. E o dilema, o delírio e o espetáculo onírico que atuavam internamente eram estarrecedores, mesmo ali, no meio de todos, eram estarrecedores.

Suas mãos trêmulas só anunciavam a ineficácia de tudo que havia feito tentando diminuir suas náuseas. Reter o choro era o menor dos desafios. "Como pode escrever aquilo? Como pode?"

Tentava organizar os pensamentos, traçar uma estratégia, ser racional, tudo em vão. Buscou ajuda em lugares já esquecidos, nada conseguiu. Pensou em desistir, não podia. E continuar nunca foi uma opção, sempre foi imperativo, não por que queria ser herói, pois a muito dispensara esse título. 

Queria sair dali, achava que precisava fazer algo, mas nem nisso estava certo. Àquelas palavras tinham razão. Ficar estático já era tomar posição, lançar mão dos sentimentos e disparar o gatilho. Para qual lado não sabia. Era um daqueles casos em que as consequências se antecipam às causas. Pouco importava o que fizesse, ele já era uma vítima.

De repente, um cumprimento, os sorrisos automáticos, os apertos de mãos, abraços e palavras desconexas como escudo das desesperanças. Verbos conjugados por lábios desinteressados e desinteressantes, saltando para seus ouvidos e estuprando seu cérebro com uma violência peculiar. Sentia-se preso numa terra sem grades, sem correntes, sem armas. Preso às aparências, à si mesmo, em si mesmo. 

Um brinde, um gole, um olhar. Retirou sua caneta do bolso, pegou um guardanapo, fitou sua visão mais uma vez pela janela, observou o jovem maltrapilho com seu violão sob o sereno e o orvalho libertador. Saiu do salão, caminhou pelo jardim, atravessou a rua irregular, aproximou-se da praça e pode ouvir “aqui é festa amor e a tristeza em minha vida...”.

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