segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A Máscara



Sempre que sorria todos repetiam o ato, o inverso também era freqüente. Por mais que isso ocorresse, não compreendia como ninguém nunca havia conseguido ouvi-lo de fato.

Logo ele que gritava aos prantos um pedido quase desesperador de socorro. Justamente ele que fazia questão de dar sinais que sua prosaica exposição de dentes não era nada mais que um ato dissimulado de sua eminente insegurança. Como não podiam escutar? Que barulho era esse tão concreto que ensurdecia a alma daqueles que poderiam perceber os sinais? 

Já não era a primeira vez que tentava. Sua divertida autoflagelação socialmente aceita só convencia os que não viviam o mesmo dilema e ocupavam-se em julgá-lo como um pobre  diabo,  mero vagabundo,  um  anônimo feliz. Esses adjetivos poderiam até vestir seu espírito com revoltante exatidão, mas era óbvio que ele não era só isso. Óbvio demais.

Não era falsidade, ele estava alegre também. A complexidade de sua alma permitia sorrir e dilacerar seu coração de forma concomitante e igualmente sincera. A intensidade da dor é que costumeiramente  se apoderava de suas vísceras de maneira inexorável.

A superfície era bela e inebriante, era a própria arte... Daquelas que corta, que sangra, que esconde. O lado jocoso, infame e triste era escamoteado pelas falas exageradas, pelos cumprimentos absurdos, pelas relações fluidas.

E mesmo aqueles que arriscavam perceber um mero sussurro, como num súbito de inesperada coragem e ousadia, rapidamente recusavam tomar qualquer atitude, o porquê também não sabiam, tudo parecia ultrajante demais para acabar com aquela farsa agridoce.

Para cada anedota na mesa do bar, um ranger de dentes no amanhecer do dia dentro de um banheiro qualquer. Para cada jorro de sorrisos na face dos seus, um vomitar desesperado de lágrimas em seus olhos cansados e confusos. Para cada gole de cachaça que o aliviava dos dissabores cotidianos, um gole de cachaça que o devastava nos dissabores cotidianos. E assim sorria e chorava sempre com a mesma face.

Era um inconformado. Passara anos e anos buscando sentido nas coisas e não encontrara.
 Agora gritava, mas todos só ouviam silêncio.

Wescley Pinheiro

4 comentários:

  1. Como O FIAPO é agridoce, de sensibilidade atipica ao tempo que prende de forma suave, leve e profunda. Difícil poetizar a contradição. Orgulho de vc ser do nosso curso, se me permite..rs

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  2. Gostei bastante desse lembra partes do livro que estou lendo. Profundo e sensivél como bem vc sabe ser. Adoro ler seu blog. Quantas vezes já li e reli os contos e poemas que me emocionam tocam a minha alma. 00h de hoje fazendo frio e me aqueço nessas palavras tão belas.

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  3. Leni.com posso dizer que fico demasiadamente lisonjeado com sua leitura aqui e com as palavras que proferem. Eu, ainda um jovem escritor capenga, fico que feliz de ver pessoas que tenho como referência percebendo alguma qualidade nesse humilde espaço, hehehe. Fiquei surpreso e feliz quando vi a publicação do Jornal do SINDUECE e vi uma poesia minha na última página, muito obrigado, se me permite, eu que me orgulho vc ser do nosso curso, rsrsrs

    Esse Fiapo é mesmo agridoce, tênue, forte, é a arte sempre por um fio. Grande abraço, espero que continue a gostar dos textos.





    Anônima, devo dizer que suas palavras me deixaram feliz por demais. Mais importante do que ter muitos leitores é saber que quem ler o texto não sai imune dele. É por demais estimulante para continuar escrevendo, saber o que as pessoas pensam e sentem e principalmente, saber que ela pensam e sentem alguma coisa a partir desses textos. Essa é a magia da arte. Muito obrigado pela visita, pelos elogios, pelos incentivos. Espero que continue gostando, lendo, propagando este fiapo. Bjo

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  4. Wescley, eu que agradeço o carinho!!!!
    Volte sempre e sempre estou voltando aqui!!!!
    Voltei!!!
    Bjo!

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