Inicio pedindo desculpas, pois hoje não
venho escrever poesia, nem conto, nem crônica. Hoje venho trazer um simples
clichê. Sim, uma pieguice dessas bem repetidas, batidas e rebatidas, como um velho
ditado ou uma canção popular de amor.
Carrego esse clichê como um sujeito que
levanta um cartaz onde está escrito “eu já sabia”. Um cartaz comum, onde todos leem
e logo pensam “nós também, todos já sabem”. E é verdade, todos já sabem. E apesar
disso o cartaz precisa ser levantado, pois de tanto todos saberem, alguém
precisa lembrar.
Essa é a maldição e a dádiva de qualquer
clichê. Ele está claro, concreto e posto em nossa frente, o vemos e não
enxergamos. Ele é a pedra que você tropeça, é aquele móvel que sempre esteve ali
no mesmo lugar e, mesmo assim, você vai e bate sua canela com toda força, pra depois
sair gemendo de dor.
O clichê é a caneta que você procura
desesperadamente para anotar um recado, quando de repente percebe que ela está
dependurada em sua orelha. Você se acha um bobo, rir de si mesmo, pega a caneta
e quando vai anotar o recado já o esqueceu.
É imperativo lembrar das obviedades,
daquilo que julgamos desnecessário pensar, e falar, e fazer. Recordar aquilo
que subitamente nos salta aos olhos, nos coloca o velho e novo numa coisa só,
nos deixa no ridículo de nossa pequenez, nos emociona, nos ensina, delata a
ineficiência de nossa suposta autossuficiência, nos põe no chão.
Nesse clichezinho brega e melódico que
carrego existe um elemento próprio de todo clichê: a sua verdade. Trago nele a
obviedade subestimada, naturalizada sob os mecanismos obscuros das repetições.
Pois é, nesses últimos dias um clichê me pegou.
Agarrou em minhas costas e me fez carregá-lo por cima de minha solitária
pretensão. Agora eu preciso falar dele, sobre ele, ainda que pareça tolice. Mesmo
que esse texto se revele ingênuo e medicante em essência poética, frígido de
rigor teórico. Ainda que se confirme em seu inequívoco, pobre e inglório
lugar-comum.
A vida me exige um chavão. Sinto-me
tentado, mais que isso, convocado, impelido ao testemunhar seu poder inexorável.
Preciso falar de amizade.
Sim, é isso, preciso falar de amizade.
Esse termo curioso, plural ainda que singular. Essa relação dotada da mais
complexa diversidade de expressões, a mais evidente manifestação de nossa
necessidade do outro, do coletivo, do nós.
Clichê: Não há nada mais precioso que
cultivar boas amizades. Mesmo que poucas, ainda que raras ou adormecidas pelo
tempo e pela distância. Cercar-nos de pessoas boas nos revela, quando menos
esperamos e quando mais precisamos, o valor da amizade.
"Valor da amizade"? Sim, eu avisei e já
pedi desculpas de antemão, é clichê. Todo clichê é meio assim, meloso,
impreciso, ora com gosto de açúcar, jeito de filme da Sessão da Tarde, ora com
aquele ar de refrão de música brega.
Nesses dias de agonia e grandes
dificuldades a vida me lembrou: cada amigo verdadeiro, cada pessoa boa em nossa
existência, tem o poder de anular cem pessoas más e seus melindres. Para cada
desafio imposto pelos grandes problemas, o poder de um pequeno (ou gigante!)
gesto amigo basta. A amizade é, sobretudo, um trunfo que a vida nos permite.
Hoje me sinto privilegiado por carregar
esse clichê, sinto-me grato por precisar repeti-lo. Hoje preciso agradecer à
vida por me lembrar dessa obviedade, por me colocar de frente com esse chavão:
não há nada mais precioso que cultivar boas amizades.
Eis o clichê, senil e original, escasso e
valedouro, fugaz e infindável. E é por isso que hoje não vim escrever poesia,
nem conto, nem crônica. Hoje vim apenas trazer esse simples clichê. Uma pieguice
dessas bem repetidas, bregas, batidas e rebatidas, como um velho ditado ou uma
canção popular de amor.
Dou-me ao luxo e ao lixo do clichê, por que ele vem recheado de gratidão. Hoje
eu sou todo chavão e chinfrim! Que venha o brega, que venha a canção de amor, o teor exagerado, a frase feita que foi feita para isso.
Certa vez, disse um poeta, “a amizade é o
amor que nunca morre”. Não há nada melhor e mais clichê que um amor eterno.
Aos meus amigos e amigas, meu muito
obrigado.
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